*Rangel Alves da Costa
Dois reis em países distintos: um que fazia
tapete voar e outro que não admitia que o tapete saísse do piso. O primeiro não
só fazia o tapete voejar nas distâncias como mandava imediatamente limpar
qualquer tipo de poeira que existisse junto ao assoalho. Mas nunca existia
sujeira alguma. Por mais que os opositores do rei ventilassem qualquer tipo de imundície,
jamais havia como comprovar tais indícios. Por isso mesmo o soberano pouco se
importava que vasculhassem seu reinado de cima a baixo.
Já o segundo, começava logo a espernear e a
ameaçar todo mundo toda vez que os seus súditos reclamavam de sua falta de
aptidão para fazer o tapete subir aos ares. Muita gente foi deserdada e muitos
sofreram pelos grilhões por causa disso. Quando os opositores juntavam forças e
exigiam que o tapete fosse levantado, mais ainda o rei mandava que os seus
bajuladores e serviçais assentassem pregos pelas beiradas. Mas todo mundo sabia
o motivo daquela insistente negativa do soberano: abaixo do tapete só havia
lixo, as podridões do reino.
Mas um dia, um cheiro ruim e insuportável
começou a tomar os ares desse reino de tapete intocável. Todo mundo sentia a
podridão, todo camponês e serviçal passou a não suportar aquele ar infectado de
coisas podres. Somente o rei e seus bajuladores pareciam não sentir. O
sacerdote sentia, o mago da corte sentia, a rainha também sentia. Mas o
soberano não estava nem aí para o que estava acontecendo. Foi quando, pelos
escondidos, começaram as insinuações de onde vinha aquela putrefação. E chegou-se
à conclusão que só podia ser de debaixo do tapete do palácio real.
Com efeito, embaixo do tapete bonito,
lustroso, ornado com ouro e diamantes, havia mais que um lamaçal. Tudo de pior
que podia haver na gestão do reinado estava ali se alimentando da podridão e
crescendo na infestação. Ali a corrupção, a improbidade, a ilicitude, a
roubalheira, a esperteza, a ladroice, o desvio, a falsificação, a fraude, a
deslavada desonestidade. Ante tal descoberta, e sem o rei mais poder esconder
qualquer coisa, o que se viu a seguir foi um reinado ter fim por causa de um
tapete, e que outra serventia não tinha senão encobrir todas as podridões de um
rei e todo o seu reinado.
Qualquer semelhança com casos muito
conhecidos na vida brasileira não terá sido mera coincidência. O Brasil também
possui lugar garantido no pedestal dos tapetes majestosos por cima e infectados
por baixo, ocultando as podridões. Com efeito, parece até de nascença
brasileira a velha e conhecida frase: quando se deseja esconder, basta varrer
tudo para debaixo do tapete. E significa dizer que mais vale a aparência de
limpeza do que a revelação do lixo que se mantém escondido. Ou ainda que a
beleza de um tapete (de uma prefeitura, de um órgão público, de um palácio, de
um parlamento, de um ministério ou de gabinete) imagina-se suficiente para
ocultar os lamaçais existentes.
Ora, mas o que seria esse tapete na vida
pública brasileira? Qual a feição de tal tapeta na vida político-partidária? A
aparência de honestidade, a feição da probidade, da boa e incorrupta gestão, do
bem público sendo respeitado segundo os objetivos maiores de servir ao bem
coletivo. Contudo, logo aparece o cisco de moeda que precisa ser escondido,
logo surge uma ilicitude que precisa ser ocultada, logo vem uma esperteza que
não pode ser do conhecimento de ninguém. Então, tais pequenas sujeiras vão
sendo devidamente levado para debaixo do tapete. E assim vai e assim prossegue,
com entulhos e mais entulhos sendo acumulados, para de repente as podridões
começarem a surgir. E agora?
Em casos tais, a negativa é a primeira coisa
que se faz. Não há um só gestor ou governante que admita que o seu tapete é
penas de ludibriação. É comum que até se ameace, que se diga que exige provas
(sob pena de ir às barras da justiça) da existência de algum lixo. Quanto mais
negativa mais o acúmulo da podridão se evidencia, chegando mesmo ao deslavado
escancaramento. Quando não há mais a fazer, quando as evidências deixam induvidosas
as ilicitudes continuamente, então se tenta, a todo custo, colocar a culpa na
varredora da prefeitura, na que serve cafezinho no palácio, no que passa o
aspirador por cima do brilhoso tapete.
Como dito, tanto o tapete como o lixo está
costumeiramente presente na vida pública e privada, nas administrações, nas
ações governamentais e nos cotidianos político-partidários. Sem falar nas
aparências que se quer demonstrar quando há interesses ocultos em jogo.
Mostra-se o que está por cima, o bonito, o belo, o asseado, mas nunca o que se
mantém escondido. E quando o tapete é levantado descobre-se um país: Brasil.
Quando começam as prisões de figurões, de
políticos e gestores até então tidos como inatacáveis e incorruptíveis, é que
os tapetes são levantados para o escancaramento dessa realidade putrefata na
vida brasileira. E há muito tapete. Muito tapete por todo lugar. E algum cheiro
ruim sempre surge no ar.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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