*Rangel Alves da Costa
Quando ao entardecer do dia 1º de novembro de 2012, Alcino Alves Costa se
despediu da vida terrena, o seu Poço Redondo e todo o sertão emudeceram
entristecidos, silenciaram em prantos, lamentaram a dor da partida daquele que
simbolizava a própria vivência sertaneja. E tudo através de seu amor pela
terra, seus estudos e escritos sobre os sertões, seus versos e prosas cantando
a vida matuta, a singeleza do viver sertanejo, as passaradas em revoada pelos
horizontes ensolarados ou de chamas acesas ao por do sol.
Foram 72 anos vividos, mas quase de uma
eternidade pelo que semeou, brotou e colheu. Nascido em 1940, dois anos após o
fim do cangaço com o massacre da Gruta do Angico, ali mesmo no seu Poço
Redondo, mais tarde Alcino seria reconhecido como um dos maiores estudiosos do
tema, pontificando pelos livros escritos e como palestrante sempre requisitado
e aplaudido. Participou da fundação do Cariri Cangaço – entidade de estudo de
fenômenos históricos, sociológicos e culturais nordestinos – e hoje dá nome ao
seu Conselho Curador.
De rara inteligência, com agudeza de
pensamento sem igual, não possuía, contudo, formação acadêmica alguma. Na
verdade, estudou somente até o quarto ano primário, depois abdicando da vida
escolar para aprender outras lições nos livros do mundo. E como Alcino aprendeu!
E como Alcino ensinou! Rapazote, logo se tornou exator no fisco estadual. Mas
demorou muito e a política partidária atraiu às suas hostes o sertanejo filho
de Dona Emeliana e Seu Ermerindo. E aos 26 anos foi eleito prefeito de seu
berço natal.
Durante três gestões Alcino comandou os
destinos de Poço Redondo. Destas passagens, ainda hoje se comenta sobre sua
aversão a sapatos, a ternos, aos luxos de um administrador municipal. Nunca se
deu bem com sapatos nem com paletós e gravatás. Calçava um sapato somente
quando ia ao palácio governamental, mas só faltava trocá-lo por havaianas logo
após a porta dos gabinetes. Só se sentia bem, só se sentia com vida, cortando
as ruas e as estradas do seu sertão tendo nos pés as suas inseparáveis
havaianas.
A política, contudo, não foi a sua grande
paixão. O sertão, sim. O sertão foi a grande seiva e o sopro maior na vida de
Alcino. E através do amor pelo sertão a busca maior pela sua história, pelas
suas raízes, pela sua cultura, pela sua saga de vinditas sem fim. Por isso
mesmo que se tornou poeta das coisas matutas, escritor do mundo-sertão,
pesquisador de suas raízes mais profundas, um verdadeiro menestrel daquilo que
mais amou: o sertão e seu povo, o sertão e sua luta, o sertão e sua guerra. Daí
também seu amor pelo estudo do cangaço.
Foi através do estudo do cangaço que o seu
nome ultrapassou fronteiras. Seu livro “Lampião Além da Versão – Mentiras e
Mistérios de Angico” é hoje tido como obra-prima e de referência necessária ao
estudo dos fenômenos cangaceiros. Mas escreveu muito mais: “O Sertão de
Lampião”, “Lampião em Sergipe”, “Poço Redondo - A Saga de um Povo”, “Canindé de
São Francisco - Seu Povo e sua História”, “Sertão, Viola e Amor”, “Saudação a
Paulo Gastão”, “Preces ao Velho Chico” e o romance “Maria do Sertão”. Como
compositor, letras suas foram gravadas por Clemilda, Dino Franco e Mouraí e
muitas outras duplas sertanejas. Era também apresentador de programa
radiofônico
Desde 2013 que a memória histórico-literária
de Alcino está preservada num memorial que leva o seu nome na cidade de Poço
Redondo. Seu nome continua vivo nas pessoas do seu sertão, mas principalmente
em regiões mais além. Com efeito, todo o Nordeste e além-fronteiras reconhece e
valoriza a obra daquele que sempre gostava de assinar seus artigos como “O
Vaqueiro da História”. Essa força de permanência de Alcino foi assim retratada
pelo poeta cordelista Manoel Belarmino, também de Poço Redondo, em estrofes
assim:
“Alcino cravou raízes
Nestas terras catingueiras
No Sertão do São Francisco
Dos vaqueiros, das rendeiras,
Do cangaço, dos romeiros,
Das rezas das benzedeiras
Aqui no Poço Redondo
Escreveu com maestria
A saga de seu povo,
A vida no dia a dia,
A nossa história viva,
Nossa luta e valentia.
Um homem de coração
E de grande devoção
Que conseguiu abrigar
Com muito amor e paixão
Bem no fundo do seu peito
Todo esse imenso sertão.
Alcino desde menino
Sempre teve graça e glória
Homens assim nunca morrem,
Ficam vivos na memória,
Pois nunca se viu morrer
Um Vaqueiro da História”.
Ainda hoje, é como se aquelas havaianas
estivessem cortando os chãos sertanejos e o seu dono, sempre no seu passo sem
pressa, seguindo em busca de antigos testemunhos ou simplesmente em direção a
qualquer banco da Praça da Matriz para refletir sobre o seu sertão e mirar os
horizontes. E no seu olhar as craibeiras floridas e os anjos sertanejos tocando
pífanos.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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