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segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

BONECA DE PANO, CAVALO DE PAU (Crônica)

BONECA DE PANO, CAVALO DE PAU

Rangel Alves da Costa*


Hoje em dia quase não se vê mais criança se divertindo com brinquedos artesanalmente construídos. Iguais aos pais que são guiados pelas inovações tecnológicas, os pequeninos agora só querem brinquedos importados, robôs miniaturizados, carrinhos elétricos, bonecas que falam e andam, uma série de invencionices caríssimas que tanto aguçam os desejos.
Esses mesmo pais que passeiam pelos shoppings e lojas especializadas mandando que os seus filhos escolham os brinquedos mais modernos, talvez se lembrem de um tempo já distante, onde muitos deles foram protagonistas das mesmas brincadeiras infantis, com brinquedos igualmente infantis, só que noutros formatos e meios de fabricação.
Talvez os pais sintam saudades daqueles tempos, principalmente quando não sabem manejar o brinquedo novo que comprou para o filho. E então haverá de lembrar que no lugar da bola importada, o que se podia dispor era de uma meia velha que era enchida de molambos e passava a servir perfeitamente como bola de jogar futebol.
As comparações seriam muitas se pudessem ser levadas adiante. Para se ter uma ideia, no lugar do carro mecanizado o que se tinha, quando muito, era um carrinho construído em madeira e vendido aos montes em qualquer feirinha. Com esse carrinho, o moleque montava e desmontava, colocando uma lata de óleo vazia por cima e dizendo que era um caminhão transportando água.
Naqueles tempos essas tais Susie e Barbie e outras mais, bonecas importadas que são o sonho de consumo das meninas, não faziam tanto sucesso como a boneca de pano feita pela velha Sinhá, pela tia solteirona ou mesmo comprada nas feiras livres. Perfeitas nas costuras, no preenchimento e nas feições de gente que tomavam, essa bonecas logo ganhavam nomes e um guarda-roupa verdadeiramente rico, pois todo retalho da mãe servia para fazer uma roupinha nova.
As meninas, nos momentos próprios para brincar, não faziam outra coisa senão pegar suas bonecas – muitas vezes possuíam uma família inteira – e ir para o canto da casa, principalmente na varanda, onde estavam armadas suas casinhas de bonecas. Casinhas feitas de ripa e pano, de madeira ou papelão, muitas vezes cabiam dentro a menina e suas crias.
Menino que não gostava de brincar com bola de gude, soltando pipa, de fazendeiro com ponta de vaca, levando pra cima e pra baixo seu carrinho de madeira ou jogando bola no campinho de quintal, ainda podia contar com uma série de opções de brinquedos e brincadeiras. Não gostavam muito de ter boizinhos de barro em casa, contudo gostavam muito de vaquejar, de brincar de pega de boi e fazer correria em cavalos de pau.
Cavalo de pau era brinquedo que dava dignidade ao cavaleiro menino e podia ser montado a qualquer instante, principalmente em noites de lua cheia quando os molecotes saíam escondidos de casa e seguiam em direção às esquinas mais distantes onde se reuniam e davam início às correrias pelas matarias ao redor.
Uns três dos participantes eram logo escolhidos para serem os bois daquela noite. Corriam para se esconder pelos matos e uns cinco minutos após um grito anunciava que os cavaleiros já poderiam sair em correria para fazer a caçada. Quem conseguisse pegar mais rapidamente qualquer dos bois ia namorar com Ceicinha, a menina mais bonita do lugar.
Ceicinha nunca soube dessa história, mas um dia se apaixonou por um cavaleiro sim. Sentada na varanda ajeitando suas bonecas dentro da casinha, viu quando Zezinho passou todo contente montado num cavalo de pau tirado do mato naquele mesmo instante. Foi amor à primeira vista. E um dia ele prometeu a ela que quando tivesse um cavalo alazão de verdade iria colocar ela na garupa e sairiam os dois apaixonados pelo mundo em busca da felicidade.
E Deus não esquece dos que se prometem amar. Ceicinha e Zezinho foram vistos um dia, já adultos, galopando na nuvem mais bela que existia.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Um comentário:

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