Adeus, Marinês
Texto: Alcino Alves Costa (O Caipira de Poço Redondo)
O Nordeste está de luto. Viajou para o descampado azul do infinito, lá pras terras misteriosas do Além, Inês Caetano de Oliveira. Quem é essa madame desconhecida que merece um artigo em tão conceituado jornal de uma capital nordestina? Com esse nome ninguém a conheceu.
Contudo, essa nobre senhora era portadora de uma história gigantesca no cenário musical do Nordeste e do Brasil. No mundo artístico essa venerável cabocla nordestina era conhecida e admirada pelo nome de Marinês, aquela que juntamente com Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro formava o incomparável “Trio de Ouro” da sanfona, do baião e do xaxado.
Seguramente, e sem favor algum, Marinês era uma das três maiores vozes femininas do Brasil – as outras eram Inhana, da dupla com Cascatinha, e Ângela Maria. Com sua voz limpa, clara, extensa; com suas vogais generosamente longas e consoantes exatas, Marinês era, segundo afirmativa abalizada de Dominguinhos, o maior sanfoneiro do Brasil, a Luiz Gonzaga de saia.
Marinês era pernambucana, nascida em São Vicente Ferrer, na divisa com a Paraíba, e era filha de um ex-cangaceiro do bando de Lampião, chamado Manoel Caetano de Oliveira. Quando tinha apenas quatro anos de idade, a família mudou-se para Campina Grande, na Paraíba, onde ela viveu sua infância e sua mocidade até despontar para a extraordinária carreira musical que abraçou com notável competência.
A voz de Marinês causava admiração em todo o Nordeste. Faltava-lhe, no entanto, o grande vôo que pudesse levá-la até as terras do sul maravilha. A sorte estava ao seu lado. Um dia, na década de cinqüenta, conheceu Luiz Gonzaga. Foi em Sergipe que ela teve o privilégio desse encontro. Ele aconteceu na cidade Própria, por ocasião da inauguração de uma praça que levava o nome de Gonzaga, numa deferência especial do então prefeito daquela cidade ribeirinha, Pedro Chaves.
Foi desse primeiro encontro que surgiu a grande oportunidade da mocinha de Pernambuco, porém, criada em Campina Grande, mostrar o seu imenso valor artístico pelos rincões de todo Brasil.
Abismado com o valor da sua protegida, o “Rei do Baião” cuidou em dar-lhe os títulos e as coroas de “Rainha do Xaxado” e “Rainha do Forró”. Era Marinês também chamada de “Maria Bonita do Forró”.
Em 1956 a voz da cangaceirinha do forró apareceu pela primeira vez em disco. Gravou ao lado de Luiz Gonzaga a famosa música Mané e Zabé, e neste mesmo ano gravou o seu primeiro álbum que se tornou um sucesso retumbante em todo o país.
O Brasil se extasiava com as músicas “Pisa na Fulô”, “Meu Cariri”, “Peba na Pimenta”, “Macaco Velho”, “Sá Dona” “Eu só quero um xodó”, “Aquarela Nordestina”, “Histórias de Lampião”, “Rei do Cangaço”, “Pipira” e muitas outras cantigas que se tornaram clássicos e marcaram época no cenário musical brasileiro.
Mesmo tendo enveredado, ainda no verdor de minha vida, pela beleza e ternura de um ponteado de viola cabocla e o cantar sublime do dueto de Tonico e Tinoco, eu jamais deixei de lado a paixão que sentia pelas cantigas de Marinês, especialmente aquelas dos primeiros tempos, aquelas que não tinham duplo sentido que é uma vergonha, um acinte e uma afronta a monumental grandeza dos grandes clássicos da sanfona e do baião.
Eis que no dia 14 deste mês de maio de 2007, uma segunda-feira, aos 71 anos de idade, na cidade de Recife, a pernambucana de São Vicente Ferrer completou seu ciclo de vida terrena e se foi para a companhia de seu parceiro e esposo, o famoso tocador de fole de oito baixos, Abdias Farias, e de Gonzagão, o seu grande protetor.
Ninguém foge aos ditames do destino. Um dia o fim chega para todos os mortais. Esse dia chegou para Marines, que nasceu e viveu gloriosamente até morrer no leito de um hospital em Recife.
Ao saber do lutuoso acontecimento que vitimou aquela que foi a deusa de minha juventude, eu desabei e fui dominado por uma grandiosa emoção. Nos idos de outrora, nos tempos de minha mocidade, eu não tinha Marinês apenas como a fenomenal cantora que espalhava pelos céus de meu sertão a sua inigualável, canora e divina voz. Não. A minha admiração por aquela então jovem e linda mulher, vestida de cangaceira, a cangaceirinha de minhas ilusões juvenis, ia muito além de seus dotes artísticos. Nela eu via a fada encantada de meus sonhos e desejos, uma divindade feminina que acariciava os meus sentimentos e a minha vida; enchendo de flores e felicidade, como se fosse uma imagem real que se apresentava como um ser fantástico na miragem enganosa do meu caminhar pela estrada sinuosa, deserta e áspera de minha vida.
Essa cangaceira, a minha linda cangaceirinha, me fez sentir por ela uma louca e desenfreada paixão e um amor imenso e profundo.
Marinês, Jesus tome conta de sua alma!
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