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quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Um aviso aos navegantes no mar da política

Um aviso aos navegantes no mar da política

Rangel Alves da Costa*




No dia 24 de junho passado estive em Poço Redondo, no alto sertão de Sergipe, para o velório e enterro de minha mãe, D. Peta, falecida ainda no vigor das forças de uma lutadora, aos 65 anos de idade. Cheguei às 3:15h. da manhã e mais tarde, numa roda de amigos e conterrâneos que foram prestar condolências e fazer a despedida, o assunto, como não poderia deixar de ser num sertão apaixonado por política, descambou para o lado desta, da famigerada política.
Costumeiramente ouve-se dizer que futebol, religião e política não se discutem. É melhor brigar logo do que ficar defendendo teses e paixões que o outro nunca vai aceitar. Não se discute religião porque a igreja de cada um é a única que pode salvar, assim o padre ou o pastor confirmou aos berros e pedindo dinheiro para a salvação das almas impuras. Não se debate sobre futebol porque, por exemplo, o Guarani de Porto da Folha é o melhor time do mundo; não, o melhor é o Canindé, e aí começa a briga. Do mesmo modo não se discute sobre política porque, além da certeza do troca-tapas, o outro pode infartar se ouvir que o seu candidato, o prefeito de plantão ou qualquer aventureiro do voto, é bom ou ruim, é feio ou bonito, é honesto ou salafrário. Discutir política no sertão só para aqueles que realmente já levantam predispostos a perder o dia; muitas vezes a vida.
Pois bem, lá estava eu forçadamente ouvindo os amigos falando sobre política. Presumo que todos que estavam ali faziam parte do grupo contrário ao governo municipal, pois o inacreditável ocorreu: havia um consenso em baixar o pau na administração atual, todos criticando com veemência os atos e as atitudes do governante. Soube depois que alguns que estavam presentes eram apaixonados arrependidos, recentemente fanáticos eleitores, porém agora raivosos e tristes certamente porque não pegaram também uma fatiazinha do recheado bolo que engorda e dá cada vez mais fome, ou seja, uma colocação na máquina administrativa.
Este ocorrido, envolvendo um debate sobre política, é corriqueiro, faz parte do cotidiano do mundo sertanejo e sua gente. Nas esquinas, nos bares, sentados nas praças, se vê a formação de rodas para colocar em dia as fofocas, os “puxa-saquismos”, para expressar as defesas intransigentes ou para expor suas iras e indignações. O que realmente pode causar espanto é quando todos os presentes – a não ser de um mesmo grupo político – chegam à unânime concordância e deliberam democraticamente que fulano de tal é realmente péssimo ou ótimo administrador porque está fazendo isso ou aquilo, está cumprindo ou não aquilo que prometeu quase em lágrimas. E muitos eleitores fanáticos aproveitam a ocasião e chegam a chorar para agradar o candidato.
Após a eleição e a vitória, assumindo as rédeas do poder por um período que já possa dizer a que veio, quando a maioria dos moradores do município chega a um consenso sobre as reais qualidades do administrador é o momento deste colocar suas barbas de molho. Não se engana o povo o tempo todo, já diz um ditado; a faca é cega mas corta, diz outro; “apesar de você amanhã há de ser outro dia”, diz a música.
A história está repleta de acontecimentos notáveis onde o inconformismo do povo fez revoluções em impérios políticos aparentemente sólidos, derrubando monarquias, ditadores e presidentes. Um governante municipal é café pequeno, e os que estão de plantão no poder deveriam saber disso, deveriam ter ao menos a humildade de reconhecer que foram erigidos ao cargo pela maioria do povo através do voto, e que em nome dessa maioria é que deverão governar para todos.
Mas não, muitas vezes deixam de preservar sua maioria, destratando e até mesmo deixando de falar com essa gente, e simplesmente tornam-se capatazes, senhores-do-mato, ferozes algozes na vida daqueles que representam a minoria cujo candidato foi derrotado. Daí abandonar seus eleitores, tratar a coisa pública como se fosse privada e, o que é mais lastimável, perseguir e até tentar dizimar as forças de sobrevivência dos que se mostram adversários de suas administrações.
Porém, um aviso aos navegantes, àqueles que pensam que estão na condução da embarcação pela eternidade: quando o povo se reúne, mesmo sendo eleitores divergentes em eleições passadas, e chegam à concordância de que “alguma coisa anda podre no reino da Dinamarca” é porque as coisas não andam boas em seus municípios, a população está ressentida com a precariedade da administração, não está vendo na prática aquilo que foi prometido em discurso, está com a moeda na mão para dar o troco.
Por isso mesmo é melhor não querer desfazer da inteligência das ruas e da consciência dos cidadãos e procurar, isso sim, responder com trabalho àquilo que lhes foi democraticamente confiado. Continuar com desculpas pelas estiagens e pelas quedas na arrecadação e nos repasses das verbas, ou outras embromações conhecidas, todas essas conversinhas já estão saturadas, o povo não engole mais. Tudo se resume numa fórmula simples: trabalho, respeito e seriedade.
Agora, se diante das circunstâncias expostas o povo reelege esses governantes municipais, é porque estes são realmente bons administradores ou porque indiscutivelmente o povo gosta mesmo é de sofrer. Aí não tem do que reclamar, só apanhar e votar.



Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

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