SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 30 de junho de 2013

SOBRE NOITES E MADRUGADAS (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Uma linha sutil separa a noite da madrugada. Mais precisamente o ponteiro do relógio ao marcar zero hora. Do por do sol à meia-noite será apenas noite; da meia-noite até surgir a primeira alva da manhã será madrugada.
Contudo, não é errôneo afirmar que a madrugada está dentro da noite ou faz parte desta. Muitos chegam a afirmar ser a noite o período compreendido entre o cair das sombras da noite até o amanhecer. Ou o tempo em que a claridade do sol está ausente no horizonte.
Desse modo, a madrugada seria a noite avançada, lá pelas tantas horas, geralmente quando as pessoas já estão adormecidas. As horas vão passando e na escuridão o que é noite vai se preparando para o amanhecer.
As noites e as madrugadas dependem muito do lugar onde ocorram. No sertão, por exemplo, principalmente nas moradias distantes dos centros urbanos, a noite sempre começa mais cedo e a madrugada desperta antes mesmo de o galo cantar.
Em muitos lugares, onde os casebres estão envoltos no silêncio e na solidão, basta o sol começar a se esconder que a família já toma seu café para, dali a instantes, fechar a porta para o recolhimento noturno. No cansaço das lides, são poucos os que se demoram mais apreciando a beleza e a imensidão do luar.
Quando a noite cai totalmente já estão recolhidos, proseando pelos cantos ou ouvindo uma canção dolente no radinho de pilha. Adormecem com os barulhos próprios da noite, com os encantos e as magias do mundo lá fora, com a reinação de alguns bichos noturnos e o zunido incessante da ventania.
O casal desperta ainda na madrugada. Os amores velados quase se misturam com a hora de acordar. O galo nem cantou ainda e já é hora de levantar, da primeira prece, de abrir a porta e lançar o olhar ao mundo lá fora. Ainda é madrugada escurecida, mas logo uma luz amarelada começará a despontar lá na barra.
Quando o galo canta o café já está por cima do fogão de lenha e o pedaço de toucinho chamuscando para ser juntado à farofa. Parte da comida vai pro alforje, como alimento sertanejo para mais um dia de trabalho duro e distante. Um gole de café, uma olhada na filharada ainda adormecida, e a estrada. Ainda é madrugada, mas já é dia na vida do campesino.
Na cidade tudo é diferente. Em muitos lugares, dia, noite e madrugada se juntam num só percurso. Tem gente que trabalha noite adentro, tem gente que vive na noite e da noite, tem gente que encontra a madrugada, e também a manhã, na mesa de bar, nos cabarés, nas esquinas da vida.
Para muitos, a noite chega como encanto, como impulso e devotamento, para depois, com o correr das horas, ir se transformando em pesadelo, angústia, aflição e tristeza. Quando a madrugada chega e o corpo cansado de sexo transmuda o fingimento sentando à mesa e sorvendo a bebida, não demorará muito para que a realidade recaia num laivo de dor e sofrimento.
E o alvorecer encontra os últimos noctívagos, os bêbados e as prostitutas, semicerrando os olhos com medo da luz. Como é cruel a manhã para quem faz da noite o fingimento e a negação da própria existência. Talvez a bebida os faça apagar de vez e reencontrar o negrume iluminado de ilusões.
Mas a noite é também de outros fingimentos, outras cortinas para o pior que virá. Depois da escuridão a doença retoma seu lastro, reaparece com sua feição mais sinistra. O que é febril se torna fogueira, o que é uma dor se transforma em flechadas. E os gritos irrompem na escuridão, as janelas se abrem, a tristeza adentra. E a madrugada já é tudo desvão.
Quem dera se a noite trouxesse apenas os mistérios e os encantos da escuridão. Quem dera se a madrugada revelasse apenas os segredos adulterinos, as entregas amorosas, os cochichos dos apaixonados corações. E dos amores tantos, das entregas e procuras tantas, surgissem as estrelas próprias de cada prazer.
Mas nunca é assim. As noites continuarão sendo indecifráveis, como desconhecidas são as madrugadas. E quem cruzar seus caminhos certamente encontrará muito mais que uma lua na rua nua.


Poeta e cronista
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No silêncio da noite (Poesia)



No silêncio da noite


No silêncio da noite
a gata no cio
o cachorro vadio
e eu no frio
que arrepio!

silêncio da noite
na telha um miado
um latido apaixonado
e eu deitado
amargurado!

silêncio da noite
os bichos amando
sobre a lua se dando
e eu nela pensando
e chorando!


Rangel Alves da Costa

PALAVRAS SILENCIOSAS – 300


Rangel Alves da Costa*


“Mãos...”.
“As mãos...”.
“O poder das mãos...”.
“Construtivos...”.
“Destrutivos...”.
“Abençoados...”.
“Inocentes...”.
“Premeditados...”.
“Pacíficos...”.
“Violentos...”.
“Prazerosos...”.
“Mordazes...”.
“O poder das mãos...”.
“O gesto das mãos...”.
“No afago...”.
“Na carícia...”.
“Na brutalidade...”.
“Na ignorância...”.
“No toque suave...”.
“Na ação desmedida...”.
“Em tudo...”.
“Há o poder das mãos...”.
“Para dizer adeus...”.
“Para pedir silêncio...”.
“Para dizer que venha...”.
“Para dizer que vá...”.
“Para chamar atenção...”.
“Para dizer sim...”.
“Para dizer não...”.
“Para acender a fé...”.
“Para apertar o gatilho...”.
“Para cortar a árvore...”.
“Para semear o grão...”.
“Para plantar e colher...”.
“Para segurar a flor...”.
“Para desenhar a paisagem...”.
“Para saciar a sede...”.
“Em tudo o poder...”.
“O poder das mãos...”.
“A mão que assina o decreto...”.
“Que promove a paz...”.
“Que faz a guerra...”.
“Que sentencia a liberdade...”.
“Que autoriza a vida...”.
“Que aumenta o preço...”.
“Que mostra o poder...”.
“Que é injusta...”.
“Que é insensível...”.
“Que algema...”.
“Que trancafia...”.
“Que segura a caneta...”.
“Que é cega e desumana...”.
“Mas ainda assim a mão...”.
“E poderosa mão...”.
“Que se ergue egoísta...”.
“Que se ergue autoritária...”.
“Que se mostra arbitrária...”.
“Pelo anel da mão...”.
“Pela arrogância da mão...”.
“Mão humana...”.
“Chave da vida e da morte...”.
“Na mão...”.


Poeta e cronista
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sábado, 29 de junho de 2013

O CABRESTO DO VOTO (Artigo)


Rangel Alves da Costa*


Não estranhe o titulo acima, pois é o cabresto do voto mesmo e não voto de cabresto, ainda que para entender aquele este mereça ter seu conceito relembrado.
Termo usado para designar uma antiga prática dos tempos da política coronelista - mas ainda devidamente praticada nas mais diversas regiões - tem-se o voto de cabresto como a expressão eleitoral dos poderosos, latifundiários, senhores da terra, da gente e do bicho. Eleger seus candidatos era uma das formas de expressar seu poder.
Assim, voto de cabresto era o mecanismo utilizado pelos coronéis para garantir a vitória de seus candidatos. Para assegurar o sufrágio em seu favor, o poderoso fazia todas as formas possíveis de manipulação eleitoral, comprava votos, ameaçava eleitores, utilizava a máquina pública para favorecimento pessoal.
Contudo, o verdadeiro sentido da expressão voto de cabresto está no curral eleitoral que o coronel mantinha. Curral porque sempre rodeado de pessoas empobrecidas, miseráveis e analfabetas, que sobreviviam com as esmolas assistencialistas fornecidas pelo poderoso senhor. Ao receber uma feira, um retalho de pano ou uma quantia em dinheiro, logo o desvalido se tornava objeto de uso do coronel. Este praticamente passava a comandar suas ações, principalmente na hora da votação.
Desse modo, aqueles desvalidos, sem consciência crítica ou força de rejeição ao mando, se deixavam dominar, conduzir, serem tratados como verdadeiros animais em um grande curral do coronel. E uma vez dominados era mantidos sob cabresto, nas rédeas, obedecendo somente ao comando do líder.
Essa vivência sob cabresto é que deu origem à expressão voto de cabresto. No  momento da eleição, o poderoso guiava seus animais para votar naquele seu preferido. Muitas vezes o próprio coronel. Muitas vezes não havia saída para os subjugados, vez que todo um terreno preparado para a continuidade dessa submissão e manipulação. Ora, prática reconhecida pelos governantes que dela dependiam eleitoralmente.
Atualmente tal prática, quando existente, está revestida de outras formas de ação, agindo principalmente através do poderio econômico, da compra de lideranças locais e da manutenção de privilégios em determinadas comunidades. Quando, por exemplo, um deputado procura destinar verbas, realizar obras e benfeitorias em determinadas localidades, e bancar o apoio das lideranças, então se verifica esse novo modelo de curralismo eleitoral.
O novo curral eleitoral é alimentado pelas emendas orçamentárias, pelas destinações de verbas específicas, pelos assistencialismos governamentais, pelo empreguismo e favorecimento, pelo pagamento àqueles havidos como lideranças políticas locais e regionais. Contudo, é a continuidade da miséria do povo o mecanismo propulsor dessa conduta eleitoreira nefasta nas regiões mais empobrecidas. E também nos centros urbanos.
Somente a educação do povo, a aquisição do conhecimento e da reflexão crítica, bem como a emancipação cidadã da classe eleitoreira, poderia sepultar de vez o curralismo eleitoral. A lucidez do povo certamente acabaria invertendo a situação e o político, o candidato ou o eleito, passaria de laçador a laçado. O cabresto não mais envolveria a cabeça do eleitor, mas daquele que dele precisa para chegar ou estar no poder.
Quando a população eleitora sentir a verdadeira expressão de sua força e transformar esta em meio de reivindicação e de garantia de seus direitos, então a situação estará invertida. Antes manipulado, subjugado, vendido e mantido com uma esmola vil, o eleitor se tornará o condutor de seu próprio destino e de sua comunidade. E o político um reles obediente ao seu comando.
Não haverá mais, pois, o voto de cabresto, mas o cabresto do voto. É o povo que vai determinar a ação do político, dizer o que ele deve fazer, bem como forçá-lo a sentir que a governança e a atuação legislativa devem ser conduzidas em nome do povo, para a melhoria de suas condições de vida. E não do próprio eleito e seus apadrinhados.
Colocar cabresto no político e mantê-lo em rédeas - e bem curtas - é a única forma de fazê-lo respeitar o povo depois de eleito e impedir que não desvirtue aquelas propostas tão elogiáveis e alardeadas de canto a outro. E certamente será este que mansamente obedecerá ao grito do povo quando estiver pulando a cerca de suas responsabilidades. Aboio providencial que o fará pensar duas vezes antes de fazer da política um pedestal ornado de negligências, improbidades e outras ilicitudes.
Contudo, não será tarefa fácil transformar o que ainda resta de voto de cabresto em cabresto do voto. Eis que parte da população adora comer no curral da cesta básica e chega a mugir de contentamento com um cartão de qualquer bolsa governamental à mão. E a cesta e o cartão, como todo mundo sabe, são as novas cordas que sustentam o cabresto.


Poeta e cronista
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Noites frias (Poesia)



Noites frias


Vento ventania
tanta solidão
nessa noite fria
coração aragem
sopro de agonia
e ela que não vem
chama que irradia
ela que não traz
o fogo e a magia

acender a vela
acender o fogo
acender a chama
acender a vida
tudo num só corpo
mas ela não vem
calor não irradia
nesse noite fria
preciso do calor
do corpo a poesia.


Rangel Alves da Costa

PALAVRAS SILENCIOSAS – 299


Rangel Alves da Costa*


“Quanto contentamento no meu coração...”.
“Ainda noite e já avisto a manhã...”.
“Ainda lua e já me exponho ao sol...”.
“Nada me causará tristeza...”.
“Ao menos agora...”.
“Não haverá noite traiçoeira...”.
“Nem vento voraz...”.
“Que me afaste a poesia do momento...”.
“Sou tudo agora...”.
“Pássaro de passo e pouso...”.
“Ninho de passarinho...”.
“Uma melodia que chega na brisa...”.
“Um retrato sorrindo...”.
“Uma esperança nunca tardia...”.
“Sou esse grande momento...”.
“De verso e de singeleza...”.
“Cor do vinho inebriante...”.
“Som de música contagiante...”.
“Sou a flor de outono...”.
“Com pétala, perfume e beleza...”.
“Sou o jardim primaveril...”.
“Com sua pintura de cada cor...”.
“Sou o amor, sou o amor...”.
“Por isso que dispenso a lágrima...”.
“Dispenso a recordação entristecida...”.
“Dispenso a solidão dilacerante...”.
“Dispenso tudo que não seja felicidade...”.
“Olhe a lua lá fora...”.
“Olhe o céu estrelado...”.
“Olhe a bela canção das montanhas...”.
“Ouça os segredos do vento...”.
“A singeleza da ventania...”.
“O mio do gato no telhado...”.
“Os vaga-lumes passeando...”.
“Meu copo de alegria querendo mais...”.
“Estou feliz, meu amor...”.
“A saudade também é presença...”.
“Ainda sinto o sabor do beijo...”.
“O calor do abraço...”.
“Suas mãos entrelaçando meu corpo...”.
“Por isso estou feliz...”.
“Abro a janela e porta...”.
“Serei noctívago andante...”.
“Pelas praças e canteiros...”.
“Apreciando as belezas da noite...”.
“Apreciando o encantamento noturno...”.
“E toda magia nela contida...”.
“E mais tarde...”.
“Já na madrugada mais distante...”.
“Dormirei o sono mais profundo...”.
“Para o sonho mais belo que houver...”.
“Com uma musa, uma deusa, uma rainha...”.
“E com ela ser rei de tudo...”.
“Mas principalmente da vida que tenho...”.
“Que é de simplicidade...”.
“E de sobrevivência...”.
“Na riqueza apenas da felicidade...”.
“E da certeza do amor demais...”.


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sexta-feira, 28 de junho de 2013

CANJICA E OUTROS PECADOS (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Há quase dois meses que venho tentando segurar um regime. Tinha de ser assim. Aprecio roupas folgadas, confortáveis, e as que mais gosto estavam ficando desconfortáveis. Agora sei que a pessoa não perde em dois meses o que levou dois dias para engordar. É um verdadeiro sacrifício essa coisa de lutar contra as delícias da cozinha.
Ao chegar o mês de junho entristeci de vez. Nesse período de festas juninas as comidas típicas parecem desafiar todos os esforços para perder peso. E logo aqui no Nordeste, onde as comidas de milho e coco imperam em cada canto que a pessoa chegue. São tentações cheirosas, saborosas, coloridas, com aquele toque final bem caipira. Tudo de dar água na boca.
Ou a pessoa se tranca para nem sentir o cheiro junino se espalhando pelo ar ou começa a deixar aflorar seus instintos de gulodice. Não é tarefa fácil dizer não ao apetite, à vontade de sair experimentando ao se deparar com pamonha, canjica, milho assado e cozido, queijo saído da brasa, arroz doce, mungunzá, pé-de-moleque, bolo de todo tipo, uma infinidade de gostosuras.
Tenho sofrido muito por causa disso. Faço o máximo possível para fugir das tentações da gula junina, mas de vez em quando me sinto derrotado pelas minhas próprias mãos, meu olhar, minha boca. Juro que é só um pouquinho, só um pedacinho, e lá vou eu cortando uma fatia de bolo de milho, tomando um pouco de mungunzá, beirando a  canjica amarelinha espalhada no prato. O problema maior é a soma de cada pouquinho, cada pedacinho. Deus meu!...
E hoje, quinta-feira, acabei fazendo uma besteira maior ainda. Eis que ganhei umas espigas de milho vindas lá do meu sertão de Nossa Senhora da Conceição do Poço Redondo, e fui deixando pelos cantos com a intenção de não fazer nenhum uso. E tudo para evitar comida. Contudo, enquanto esquentava água para um café olhei num canto e avistei as tais espigas esperando destinação.
Ainda na palha, com cabelos pendendo pelo corpo verdoso, aguçavam os sentidos. E então tomei uma decisão impensada. Naquele mesmo instante resolvi preparar uma canjica. Não um pouquinho, coisa de dois ou três pratos, mas um caldeirão grande de canjica. Os três santos juninos certamente não me protegeram naquele momento, vez que rapidamente me lancei às espigas e em pouco tempo todas já estavam completamente desnudas e prontas para o passo seguinte.
Daí em diante foi uma trabalheira danada. Como não tenho ralador, peguei uma faca de mesa e fui debulhando o milho, caroço a caroço. Assim fiz numas dez espigas, creio que até mais. Depois passei o milho verde no liquidificador, ajuntando um pouco de água para cada porção. Após isso, era tudo levado ao coador e o líquido apurado do milho colocado na panela. Com o leite do milho juntado, acrescentei leite de coco também preparado no liquidificador, leite de gado, açúcar e sal. Um tiquinho de manteiga também.
Com todos os ingredientes, então teve início a parte mais demorada. Como se sabe, para que a canjica não fique com bolas nem com partes com caldo mais grosso que em outros, será preciso mexer continuamente, sem parar e com colher de pau. Desde que o fogo é aceso até o mingau amarelado chegar ao ponto, após exalar todo o aroma do milho e do coco e começar a borbulhar, a pessoa tem de estar ali mexendo a colher de pau. E coube a mim toda essa trabalheira. Quase uma hora assim.
Enquanto mexia a canjica ia pensando em quanto o ser humano é frágil diante de uma simples receita de comida. Por mais que prometa a si mesmo fugir daquela tentação e tudo faça para não cair no pecado da gulodice, de repente se transforma no próprio algoz. E depois da canjica pronta, derramada no prato e com canela espalhada por cima, exalando a junção do milho e do coco, só dá mesmo vontade de chorar. E por óbvias razões. Mas prometo não fazer mais isso. Nunca mais.


Poeta e cronista
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Presença (Poesia)



Presença


Em tudo sinto
a presença do amor
mas em você
sinto o amor
como maior presença

o amor presente
na sua presença
é tudo o que sinto
mesmo na ausência
a presença na saudade.


Rangel Alves da Costa

PALAVRAS SILENCIOSAS – 298


Rangel Alves da Costa*


“Morte...”.
“Um norte...”.
“Noite...”.
“Um açoite...”.
“Criança...”.
“Uma esperança...”.
“Vida...”.
“Uma despedida...”.
“Saudade...”.
“Uma eternidade...”.
“Passarinho...”.
“Um ninho...”.
“Lua...”.
“Uma rua...”.
“Solidão...”.
“Uma aflição...”.
“Viagem...”.
“Uma passagem...”.
“Trem...”.
“Um vai e vem...”.
“Estação...”.
“Um verão...”.
“Chave...”.
“Um entrave...”.
“Pranto...”.
“Um acalanto...”.
“Mar...”.
“Um marejar...”.
“Arrebol...”.
“Um tênue sol...”.
“Frio...”.
“Um arrepio...”.
“Beijo...”.
“Um desejo...”.
“Floresta...”.
“Uma festa...”.
“Retrato...”.
“Um fato...”.
“Ouro...”.
“Um tesouro...”.
“Lição...”.
“A visão...”.
“Temporã...”.
“A fruta manhã...”.
“Grito...”.
“Um trem, um apito...”.
“Mesa...”.
“A sobremesa...”.
“Pão...”.
“Um sertão...”.
“Segredo...”.
“Um degredo...”.
“Sozinho...”.
“Sem carinho...”.
“Cantiga...”.
“Tão antiga...”.
“Partir...”.
“Um seguir...”.
“Fim...”.
“Em mim...”.


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quinta-feira, 27 de junho de 2013

O MENINO DA MONTANHA (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Era uma vez uma montanha. Era uma vez um menino. Era uma vez um menino da montanha...
Morando ao sopé da montanha, sempre ficava encantado quando voltava o olhar àquelas alturas, onde tudo parecia misterioso, cinzento, coberto de nuvens.
Mesmo morando ali pertinho, logo abaixo do monte, jamais tinha caminhado até lá, sequer se aproximado das veredas íngremes e pedregosas que levavam ao desconhecido.
Um dia avistou o avô chegando daqueles lados, mas estava calmo e tranquilo demais para ter feito aquela descida sem estar completamente suado e reclamando de cansaço.
Perguntou-lhe de onde vinha, e sorridente o velho respondeu que lá do alto da montanha. E sua feição parecia tomada de alegria, ânimo e contentamento.
O menino não disse nada, mesmo que achasse impossível uma pessoa envelhecida ter acabado de chegar daquela altura e não demonstrar nenhum sinal do esforço realizado.
Após o velho entrar em casa, o menino permaneceu olhando cada vez mais admiradamente em direção à montanha. E assim permaneceu até a noite chegar.
Ainda no entardecer, quando parecia paralisado olhando e olhando mais para o alto, sentiu como se as cores do sol se pondo formassem um desenho estranhamente belo.
No dia seguinte, logo cedinho encontrou seu avô no mesmo lugar onde havia permanecido tanto tempo e se viu forçado a perguntar o que havia lá no alto da montanha.
O velho, um tanto espantado com a pergunta do neto, levantou o olhar naquela direção e disse, quase pausadamente, que não havia nada demais lá em cima. Mas...
E olhando profundamente nos olhos do seu, completou que era uma montanha qualquer, mas que poderia se transformar em qualquer coisa que um bom coração quisesse.
As últimas palavras não foram bem entendidas pelo menino. Não sabia bem o que poderia significar se transformar em qualquer coisa que um bom coração quisesse.
O menino ficou ainda mais intrigado, contudo resolveu não fazer mais perguntas. Já tinha em mente o que deveria fazer ainda naquele dia, no momento mais adequado.
Quando se viu sozinho, correu até o portal da primeira vereda e começou a desbravar os caminhos. Em meio a mataria, garranchos, pedras e espinhos, foi subindo e subindo mais.
Olhava para cima e só avistava subidas, dificuldades, ameaças. Cansado, parou um instante e ficou imaginando como seu avô havia conseguido chegar até lá em cima.
Pensou em retornar, porém queria mostrar a si mesmo que conseguiria. E não apenas isso, pois sua intenção maior era alcançar o topo e lançar o olhar no mundo ao redor.
De repente, percebeu que já estava chegando quase lá. Agora tudo parecia em degrau, sem armadilhas ou dificuldades, com mato verdejante, flores e borboletas multicores.
Colocou o pé no ponto mais alto e logo se deslumbrou com a natureza exuberante ali existente, o vento perfumado soprando e uma canção que parecia descer das nuvens.
Os seus olhos brilhavam a cada beleza avistada. Será aqui o paraíso? Indagou ao lembrar que uma vez o seu avô havia falado que por ali existia um verdadeiro paraíso.
E lá do alto lançou o olhar ao redor. Tudo imenso e belo, tudo numa paz inimaginável que existisse, tudo perfeitamente criado por Deus. Deus? E se tomou de espanto.
Se ali era um paraíso, com tudo maravilhosamente criado por Deus, então o Criador talvez estivesse por perto. Sim, talvez isso fosse possível. E gritou pelo seu nome, invocou sua presença.
E uma aragem macia soprou ao seu lado, diante de sua face, ao redor. Sentiu uma presença, ouviu uma voz. Sim, sei que está aqui. Também sei que aqui é a sua igreja, e nela meu avô vem rezar por nós. Disse a si mesmo.
E, cheio de felicidade e contentamento, ergueu os braços e fechou os olhos. E viu uma face iluminada. Viu a face de Deus. E ao abrir os olhos já estava lá embaixo, no sopé da montanha.
E um pássaro de luz voava, retornando em direção à montanha.


Poeta e cronista
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Assim... (Poesia)



Assim...


Andei
olhei
vi
senti
quis
busquei
encontrei
pedi
implorei
beijei
subi
desci
sumi
vivi
toquei
tive
doei
amor
amei
feliz
fiquei
agora
sei
amar
além
assim
serei.


Rangel Alves da costa

PALAVRAS SILENCIOSAS – 297


Rangel Alves da Costa*


“Avisto o baú...”.
“Não queria ter avistado agora o baú...”.
“Deixai o tempo no tempo...”.
“O passado dói demais...”.
“E as lembranças e as saudades...”.
“Afloram demais os sentimentos...”.
“Mas no baú...”.
“A história...”.
“A vida...”.
“O tempo...”.
“O calendário da existência...”.
“Herança familiar...”.
“Os primórdios de tudo...”.
“O sangue da veia...”.
“Nomes e sobrenomes...”.
“O percurso familiar...”.
“O filho do pai, filho do pai...”.
“Mãe de uma linhagem extensa...”.
“Tudo ali no baú...”.
“A feição do meu avô...”.
“Retalhos de minha avó...”.
“Meu pai sorridente...”.
“Minha mãe com roupa de festa...”.
“Tudo ali no baú...”.
“Retratos e fotografias...”.
“Bilhetes e cartas...”.
“Aromas e perfumes...”.
“Um fio de cabelo...”.
“Um poema num livro...”.
“Um verso numa folha solta...”.
“A carta que não foi...”.
“A saudade em pedaços...”.
“Lágrimas guardadas...”.
“Tantas lágrimas guardadas em baú...”.
“Afastar a poeira...”.
“E recolher das sombras...”.
“A mais perene realidade...”.
“O passado não passou...”.
“Nada sucumbiu com o tempo...”.
“Tudo ainda permanece...”.
“Ainda que em outros nomes...”.
“E outras feições...”.
“Sorrisos amarelados...”.
“Terços e rosários...”.
“De uma fé imorredoura...”.
“E de uma santidade imanente...”.
“Ah, como dói o baú...”.
“O relógio de bolso parece querer caminhar...”.
“Uma rosa de plástico...”.
“Ainda perfuma aroma...”.
“Só que agora de saudade e naftalina...”.
“Tudo diante dos meus olhos...”.
“Da minha lágrima...”.
“E de minha mão trêmula...”.
“Também com medo...”.
“Por medo de me derramar lentamente...”.
“E no baú também me amoldar...”.
“Para sempre...”.
“Até que um dia alguém...”.
“Ali me encontre em retrato...”.
“Apenas uma fotografia...”.
“No baú...”.


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quarta-feira, 26 de junho de 2013

O SEGUNDO PROTESTO: A LEGITIMIDADE E A DESORDEM (Artigo)


Rangel Alves da Costa*


Depois do marco histórico do dia 20/06, quando mais de 30 mil pessoas tomaram as ruas e avenidas de Aracaju para mostrar suas indignações contra o aumento da tarifa do transporte e outras pautas populares, novamente o povo se reuniu na capital sergipana. E dessa vez para deixar bem claro que não vai mais tolerar calado os descalabros das administrações em todas suas esferas.
Tendo como mote principal a revogação da tarifa de ônibus, o que se viu foi uma avalanche de reivindicações, provando o descontentamento do povo com a ineficácia dos serviços públicos e a omissão deliberada dos governantes e seus agentes. As faixas e cartazes deixavam induvidosas as cobranças da população.
Como já era esperado, a classe política em geral se transformou em alvo preferencial da repulsa das ruas. Os médicos também se fizeram presentes em protesto contra as medidas de importação de profissionais anunciadas emergencialmente pelo governo federal. Outras classes profissionais e estudantes de cursos específicos igualmente apresentaram suas reivindicações.
Contudo, o número de manifestantes foi bem inferior ao avistado no primeiro ato. Em nenhum momento a Praça Fausto Cardoso, local da concentração, foi tomada pelos revoltosos. Um grupo maior circundou o coreto, onde permaneceu tocando instrumentos, gritando palavras de ordem e entoando motes de protesto, tendo outras pequenas aglomerações espalhadas pelos arredores. Bem diferente da multidão compacta do último dia 20.
Diante do ocorrido no primeiro ato, quando os manifestantes rejeitaram a presença de bandeiras partidárias e de centrais sindicais, dessa vez estes grupos decidiram não participar. Daí não haver qualquer carro de som nem discursos inflamados. Talvez por isso que a multidão de hoje estava mais silenciosa, mais arredia e menos encorajada. Já não havia aquelas feições predispostas, aqueles olhares efervescentes, aqueles gestos de descontentamento.
Por volta das cinco horas a caminhada teve início. Mas sem a organização devida, as pessoas não seguiam conjuntamente. Enquanto um grupo seguia na frente, muitas outras pessoas ainda continuavam pela praça. E assim prosseguiu, com alguns vazios, até a esquina da Av. Barão de Maruim. Neste momento, os manifestantes da dianteira tiveram de parar para esperar que as pessoas se pusessem em caminhada num só bloco.
Após isso, e já pela Barão de Maruim, então a multidão começou realmente a mostrar sua força, tomando completamente as duas pistas e calçadas, numa extensão que talvez chegasse a cinco quarteirões num só passo. Batucadas, palavras de ordem, cantorias, tudo isso efervescendo a caminhada sempre aplaudida pelos moradores dos edifícios ao redor.
Profissionais saíam de seus escritórios para aplaudir a manifestação, dos edifícios surgiam gestos de apoio, nos veículos parados o contentamento dos motoristas e passageiros. E assim a multidão, mesmo menos numerosa que a anterior, foi mostrando sua força e sua capacidade de união diante dos males que tanto corroem Sergipe e o Brasil.
Novamente helicópteros vigiaram do alto. Policiais novamente estavam infiltrados em meio à multidão, mas certamente não conseguiram avistar uma só ação de vandalismo, depredação ou exaltação mais exacerbada. Mas só até a multidão chegar ao Centro Administrativo Municipal.
Ao chegar ao local programado para a finalização do ato, um grupo mais exaltado logo procurou macular a imagem da multidão pacífica e ordeira. Verdadeiros vândalos começaram a depredar o patrimônio público e ameaçar invadir a sede do governo municipal. E em casos tais é preciso o uso da força para inibir a ação daqueles que traíram a legitimidade da ação da grande maioria. E o povo não marchou com essa bárbara finalidade.
É por essas e outras que o encanto, repentinamente, se torna em desencanto. E, em decorrência de tais atos, dificilmente haverá outra manifestação vitoriosa pelas ruas da capital. Pena que tenha acontecido assim. Mas eis as feras escondidas nos labirintos da multidão.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Fogueira (Poesia)



Fogueira


Fogo
de fogueira
chama ardente
e ventania
atiçando
a chama
reacendendo
as cinzas
do amor
um dia
apagado

coração
fogo silencioso
num peito
abrasado
ainda ardente
soprado
pela boca
que beija
e alimenta
a chama
desse amor.


Rangel Alves da Costa

PALAVRAS SILENCIOSAS – 296


Rangel Alves da Costa*


“Era uma vez um lugar...”.
“Onde todo mundo dormia...”.
“Dia e noite...”.
“Noite e dia...”.
“E todo mundo dormia...”.
“Acorda homem...”.
“Ouça o chamado da luta...”.
“Ouça o chamado da vida...”.
“Ouça o chamado da esperança...”.
“Ouça o chamado da caminhada...”.
“Mas o homem dormia...”.
“Dia e noite...”.
“Noite e dia...”.
“Acorda mulher...”.
“A batalha te espera...”.
“O sol quer brilhar mais forte...”.
“O tempo precisa passar...”.
“A vitória precisa ser construída...”.
“Mas a mulher dormia...”.
“Dia e noite...”.
“Noite e dia...”.
“Acorda menino...”.
“Levanta o ser sonhador...”.
“Abra a porta e a janela...”.
“Escolha o que você quer...”.
“Erga a bandeira de luta...”.
“Mas o menino dormia...”.
“Dia e noite...”.
“Noite e dia...”.
“Acorda menina...”.
“Há um arco-íris lá fora...”.
“Há sementes a semear...”.
“Há uma conquistar a tecer...”.
“Há o futuro pra viver...”.
“Mas a menina dormia...”.
“Dia e noite...”.
“Noite e dia...”.
“Era noite em todos...”.
“Tempo difícil de ventania...”.
“De medos e temores...”.
“Num viver empobrecido...”.
“Escravizado e submetido...”.
“Mas o tempo foi passando...”.
“E o sol irrompeu num clarão...”.
“A escuridão se escondeu...”.
“A ventania se tornou brisa...”.
“O mundo ficou mais bonito...”.
“Portas e janelas se abriram...”.
“As pessoas despertaram do sono...”.
“E saíram às ruas...”.
“Exigindo seus direitos...”.
“Cobrando das autoridades...”.
“O fim da corrupção...”.
“Exigindo segurança, saúde e educação...”.
“Espalhando suas revoltas...”.
“Até que os surdos ouçam...”.
“E enfim reconheçam...”.
“Que todos despertaram...”.
“E com eles um gigante...”.
“Chamado querer...”.
“Chamado desejo de mudança...”.


Poeta e cronista
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