SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 11 de abril de 2011

AMOR NA MEDIDA (Crônica)

AMOR NA MEDIDA

Rangel Alves da Costa*


Tudo que pretenda ser duradouro, permanente, sustentável, tem de ser na medida, nem demais nem de menos, nem muito nem pouco. Aplicada ao amor, tal premissa pressupõe a estabilidade para que possa ser mantido e continue sempre como um amor amado.
Eis que comecei a pensar nesse fato ainda essa tarde, quando estava distraído olhando a vida correr e um casal de meia idade passou de mãos dadas num surpreendente contentamento, logo percebido nas suas feições serenamente calmas, tranqüilas, satisfeitas.
Fiquei imaginando então como seria encontrar aqueles dois dez anos mais tarde, mais envelhecidos, já tão acostumados a estarem juntos e a sustentar o querer que os une. Indaguei então se o tempo vai esfriando as relações, vai tornando simplesmente rotina a vida conjunta, vai deixando as relações apenas como uma suportabilidade de um para o outro.
Vejo adolescentes que passam como namorados e, mesmo que estejam aos beijos e abraços, jamais senti a existência de sentimentos verdadeiros como enxerguei naqueles dois. Os jovens sempre são mais esfuziantes, mais explícitos, carnais, enquanto aqueles dois eram simplesmente namorados, um esposo e uma esposa, poeticamente de mãos dadas, no cotidiano dessa vida que afasta.
Não se trata de dizer que os jovens não sabem namorar, amar, estar, se querer, estar juntos. Isso eles sabem fazer demais e exageradamente, sem receio nem pudor de nada, até que os próprios corpos digam não a tanto desejo. E é essa exagerada disposição que os caracteriza bem, pois há correspondência nessa procura, nessa vontade e desejo que somente eles podem explicar. Contudo, há uma relação amorosa, mas não há amor, na mais pura concepção da palavra.
E por que não há verdadeiro amor entre os jovens? Simplesmente porque o verdadeiro amor não é aquele cimentado no desejo sexual, na busca insaciável da descoberta do outro, no arriscar tudo em nome de qualquer prazer passageiro. Simplesmente porque o verdadeiro amor, acaso existente, não é para ser absorvido pelo corpo, mas bebido contínua e permanentemente pela alma.
Para que o jovem amasse de verdade, ao lado dessa fogueira que lhe é própria e somente cada um sabe o incêndio que pode causar, teria que pautar sua relação também na compreensão, na palavra, no ter o outro como metade necessária, no respeito aos limites entre amar e simplesmente ter. Se alguém me disser que os jovens conseguem amar assim, então direi que o mundo ainda tem salvação.
Com relação aos adultos, tem-se que a sua maioria permanece por muito tempo na fronteira entre o amar de jovem e a relação mais consistente e que já sabe o que quer. Antes que se decida pelo amor mais respeitoso, de confiança mútua e consciente dos erros e acertos, certamente que a mera afinidade irá perdendo sentido à medida que o corpo não se sinta mais atraído pelo outro corpo. E como não havia amor, também não há que se esperar que o afastamento faça alguma diferença.
Porém, quando os adultos sentem que enfim encontraram sua outra metade então logo começa a ser semeado o fértil terreno da união duradoura – mas até enquanto dure – e cujas consequencias mais positivas são o surgimento de famílias com aspectos de solidez, de contínuo amadurecimento e com o poder de transmitir aos outros exemplos do quanto é belo e possível ter e preservar esse amor.
Aquele casal que vi ao entardecer parece ter conseguido ultrapassar as barreiras do imprevisto e, de mãos dadas, seguir caminhando para a satisfação dos olhares que bem poderiam ver neles um espelho e um livro para ser lido sempre. Quando já estiverem bem velhinhos, nem precisa que sentem nas suas cadeiras de mãos dadas. Apenas que um se preocupe com o outros, em saber como está e passe a mão no cabelo e, de repente, se estenda um pouco mais para alcançar a face do outro e dar um beijo.
E fico imaginando quantos casais passarão de mãos dadas nessa rua, por essa mesma calçada, daqui há cinqüenta, cem anos. Da próxima vez que eu os encontrar vou pedir licença e tirar uma fotografia para deixar de lembrança para meus netos, bisnetos, tataranetos...





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: