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domingo, 24 de abril de 2011

CABARÉ (Crônica)

CABARÉ

Rangel Alves da Costa*


Fique com raiva não, mas é preciso ter uma certa reverência, um respeito diferenciado ao pronunciar essa palavra: cabaré. Madame nenhuma iria gostar que seu requintado ambiente, de ilustres e tão renomados visitantes, fosse visto como um reles meretrício de beira de estrada ou dos esconderijos da cidade.
Madame de echarpe importado vermelho, estola multicolorida e brilhenta descendo dos ombros pelo corpo vestido de longo mais brilhoso ainda, não iria gostar que afrontassem seu “luxer”. Como as mais requintadas butiques onde só entram madames e apertadinhas, ali também oferece exclusividade, desfiles de bundas e peitos à mostra, com a carne latejante e altamente valorizada. Ora, as modelos ali caminham naquela passarela de pouca luz no pleno exercício da profissão mais antiga do mundo.
O ambiente dirigido pela madame com tanto carinho e zelo – até mesmo pelo vasto conhecimento que possui sobre o assunto, vez que antiga praticante daqueles dons eróticos diferenciados -, deve ser sempre visto como pousada e regozijo para políticos, sacerdotes, intelectuais, vagabundos endinheirados, revolucionários de qualquer guerra, solitários rapazolas e até broxas de língua em permanente ereção.
Verdade é que cabarés nesses moldes não existem mais. O progresso aumentou demasiadamente o exercício da profissão, com inúmeras profissionais, de todas as idades, credos, estado civil e raça, burguesas e empobrecidas, a cada instante chegando para disputar espaço e elevando incrivelmente a competitividade. Coisa de fundo de quintal, de casinha miúda, ganhou status de empreendimento, profissionalizou-se, mutinacionalizou-se.
O que ainda continua diferenciando as classes de profissionais é apenas a fachada que se dá ao novo, porém costumeiro, cabaré. Para as grã-finas, de classe social sobressalente, ditas universitárias e com cara da mais pura inocência, pode se denominar simplesmente boate, barzinho, shopping. Se o chamado à função parte para as ruas, através das garotas de programa, então já tem início uma outra face da prostituição.
E isto por que o primeiro programa feito por uma menina dificilmente não lotará logo o auditório. As garotas de programa são, assim, a fronteira entre a prostituição de luxo, altamente valorizada e lucrativa, e a função vulgar, logo de caminho certo para os cabarés de agora, as casas de shows eróticos, os mais altos e mais baixos meretrícios.
De qualquer forma, voltando ao velho e bom cabaré – aqueles mesmos de antigamente -, este era tido e conceituado como estabelecimento popular de entretenimento, principalmente para homens, destinado a shows artísticos com mulheres, shows musicais, orquestras dançantes, comercialização de bebidas e local adequado para obter prazeres sexuais através de pagamento.
Outros, numa linha mais vulgarizada, denominam de lugar onde são encontradas mulheres de recibo, prostitutas. Casa de diversões, geralmente noturna, em que se pode beber, comer, dançar e assistir a espetáculos musicais e outras atrações. Dentre outras atrações, e que são as principais, estão as mulheres, que por ali mesmo dão seu preço segundo as pretensões e os gostos do cliente.
Contudo, sob pena de denegrir a imagem do verdadeiro cabaré, jamais este poderia, nos tempos passados, ser confundido com outros locais de comercialização de sexo que existiam por todo lugar. E eram muitos - e continuam sendo - e sob diversas denominações, mas geralmente com um só objetivo, que é o sexo logicamente.
Assim, cabaré era orgulhosamente cabaré e não bordel (mulheres que estão à borda, ao alcance de qualquer um), prostíbulo (casa onde se fixam prostitutas), lupanar (o prostíbulo de antigamente), puteiro (onde só tem putas), brega (local onde ficam as prostitutas mais desvalorizadas), zona (o brega mais distante e um tanto escondido), inferninho (onde o pecado rola solto) e casa de tolerância (porque as mulheres toleram qualquer um que lhes pague pela relação sexual), dentre muitas outras denominações.
E por que essa reverência toda com relação ao cabaré, já que a finalidade pareceu ser sempre a mesma? Ora, simplesmente porque cabaré é histórico-culturalmente importante, sempre foi, no seu percurso histórico, verdadeiro centro de irradiação de importantes conhecimentos, onde foram travadas grandes e proveitosas discussões, foram discutidas e elaboradas leis e até constituições, serviu como centro difusor de grandes ideias e também de verdadeiro escritório para coronéis, grandes latifundiários, políticos e chefões mafiosos.
Quando Jorge Amado, nos seus maravilhosos romances tematizados no cacau, discorre sobre o cabaré como verdadeira instituição cultural, econômica e histórica, o faz mostrando que dentro de suas portas a nata política, religiosa e coronelista se reunia para decidir não só os próprios destinos, mas também da sociedade lá fora.
Era no cabaré que o coronel do cacau tramava a morte do também coronel vizinho e desafeto; era ali que o mandante político nomeava e exonerava, fazia seus conchavos, fortalecia suas ligações partidárias; ali também o religioso sentava-se à mesa do carteado e gastava todo o dinheiro da igreja; não era noutro lugar que os intelectuais e acadêmicos iam discursar sobre suas descobertas e revoltas, ler poemas para a prostituta francesa nascida no recôncavo.
Hoje em dia a madame está morta. Em seu lugar apareceu a proxeneta, a cafetina, o gigolô, o rufião. Não há nem mais orquestra nem luzes iluminando as belas francesas de araque. Há sim, patricinhas, mocinhas, sem vida, sem norte, apenas prostitutas.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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