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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 16 de abril de 2011

PALAVRAS PARA DIZER UM DIA (Crônica)

PALAVRAS PARA DIZER UM DIA

Rangel Alves da Costa*


Não sei quando nem como, mas um dia ainda direi palavras que não sejam somente ditas, mas ouvidas no eco da razão existente. E talvez você ou outra pessoa me dê razão.
“Amo-te. Sem que precise ter de volta um abraço ou um beijo, mas te amo. E digo-te porque ou eu falava ou não amava a minha própria vida, que talvez te ame até mais do que o meu silencioso coração”.
“Até hoje tenho vivido para tudo e nada ao mesmo tempo. Não sei o que quero, por isso mesmo não sei o que tenho e o que me satisfaz. Quando eu estiver dividido entre a parte que me cabe viver e a outra parte que me cabe amar, talvez eu lute pela constante soma de nós dois”.
“Sempre que te digo palavras bonitas sinto que falo tudo sem força, sem motivação, sem a verdade que deveria existir. Não me cabe te dizer palavras bonitas, fazer elogios ou colocar um manto maravilhoso em tudo que te cerca. Creio que não é mais necessário colocar açúcar no mel nem o vermelho na pele do morango. Esquecer as palavras e valorizar a presença, fazendo com que o coração sinta infinito prazer, será o melhor caminho para a sobrevivência do nosso amor”.
“Você errou, eu errei, nó erramos. Não precisamos conjugar verbos para saber que erramos. Somos humanos e não lingüistas, lexicógrafos ou filólogos. Eles que consertem a vida e a história da gramática e da linguagem, e nós a consciência de nossas limitações na simples conjugação da vida”.
“Vou te dar o primeiro pingo de chuva, da primeira chuva que cair, não sei quando. Vou te dar o primeiro orvalho, da primeira madrugada acordada, não sei quando. Vou te dar a primeira folha que cair, do primeiro outono que vier, não sei quando. Pode achar que isso é loucura, mas não é não. Tudo isso acontecerá um dia. Se você disser que aceita, qualquer dia, a qualquer tempo, que qualquer dessas coisas aconteça, assim que acontecer e você lembrar é porque o amor está mais forte e soube esperar”.
“Deixe a porta aborta quando for sair; não feche a janela do quarto se for sair; não coloque o cadeado no portão quando sair. Lembre que a casa está quase toda aberta, e eu estou lá dentro sozinho e desprotegido. Por isso volte logo”.
“Não mande aparar a grama do jardim por enquanto; não mande cuidar dos canteiros agora; não mande podar as plantas, as roseiras, nada, por enquanto não. Deixe o jardim ficar com aspecto outonal e todo cheio de folhas secas ao chão. Os banquinhos estão sujos, mas deixe assim mesmo. Apenas deixar secar a água da fonte. Vamos deixar tudo assim por enquanto e com três dias, ao entardecer, vamos passear pelo mesmo jardim e sentir como anda sua vida, seu aspecto, sua preservação. O mesmo espanto sentiremos ao não cultivar todos os dias o amor em nós existente”.
“Só começo a dormir quando sei que você já está sonhando. Só começo a sonhar quando entro no seu sonho e sei que está me amando. Ao amanhecer sei tudo do sonho sonhado, quantos beijos eu dei, quantas vezes fui abraçado”.
“Vou enviar um porta-retrato sem nenhuma fotografia. Segue também um envelope com mais de vinte retratos que tiramos juntos. Em nenhum, você lembra bem, estamos nos beijando ou abraçados, apenas vivendo um entardecer na montanha. Quando eu for aí quero encontrar uma fotografia no porta-retrato. Tenho a certeza que encontrarei o exato conceito do nosso amor, do nosso encantamento diante da vida. Depois colocarei outra fotografia noutro porta-retrato que levarei”.
“Vamos passear por aí que quero te dar um anel de cipó, um brinco de folha seca, um diadema de flores, um buquê de flores do campo e um vento numa ostra. Se você não gostar eu deixarei de ser o que sou, tão humildemente simples e apaixonado, e darei a mais cara das joias, me tornando o homem triste que doa para comprar o amor”.
“Diga adeus sem dizer nada. Ou não diga mais nada, que já é adeus”.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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