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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sexta-feira, 15 de abril de 2011

INFÂNCIA QUE SABE AMAR (Crônica)

INFÂNCIA QUE SABE AMAR

Rangel Alves da Costa*


O primeiro amor da infância, que de tão forte chega a ser paixão, se dá com os pequeninos e seus brinquedos. Não há menino ou menina que não viva pensando na sua bola, no seu cavalo de pau, na sua boneca de pano, no seu carrinho de madeira, na sua casinha de brincar.
Os pequeninos gostam tanto de seus brinquedos que até choram para tê-los sempre ao seu lado até na hora de ir pra cama dormir. Muitos deles, ainda que com os olhos pesados de sono, ficam olhando para as paredes com os seus enfeites e viajando naqueles castelos, nas nuvens, conversando com a turma do sítio do pica-pau amarelo.
A mãe não sabe por que nem nunca perguntou, mas ao lado da princesa boa há uma bruxinha com a varinha estendida e cheia de estrelas ao redor. Um menino pediu que mandassem pintar na parede do quarto uma porta enorme com uma chave na tranca. E só dormia quando abria aquela porta e começava a se aventurar por onde quisesse.
Pelo amor que têm ao que possuem, ninguém ama tão egoisticamente quanto as crianças. Grita, reclama, chora, esperneia, mas ninguém consegue facilmente tirar ou afastar da criança aquilo que ela se afeiçoou. Uma simples fralda que ela cismou de ficar segurando o dia inteiro, passa a se constituir na própria extensão de sua vida. Tanto é assim que a conhece pelo cheiro e cor, ainda que já tenha rolado pelo chão mil vezes junto com ela.
Para trocar uma chupeta é a maior novela do mundo; ninguém pense em mudar a mamadeira assim de uma hora pra outra. Se disser que aquela bola ou boneca está imprestável, tem que primeiro trazer uma novinha para se trocada, e aos poucos. Não gosta de tudo e nem gosta de qualquer coisa, mas somente daquilo que lhe parece bonito ou agradável.
Não gosta do priminho da mesma idade porque é um chato. Quem já se viu deixar suas coisas, seus brinquedos num canto, e querer o que é dos outros. Já puxou seus cabelos e mordeu sua mão duas vezes, e se tentar usurpar novamente vai levar uma bolada. E é assim mesmo que faz porque se toma de verdadeiro ciúme pelo que possui, pelo que tanto gosta. Os adultos também nem ousem querer invadir esse mundo que é só dela.
Quanto está maiorzinho, além dos seus inseparáveis brinquedos, passa a fazer amizades e a defender o seu grupo com unhas e dentes. Sempre há algum que se torna mais amigo, com maior proximidade e que conquista o direito de compartilhar daquele mundo. Muitas vezes empresta, outras vezes diz que já ganhou um novinho e faz doação. Mais tarde será pra esse amiguinho que vai contar o segredo da menina bonita da escola, pela qual está apaixonado.
Quando a criança começa a pensar em namoro, qualquer coleguinha pode se transformar em namorada a qualquer instante, mesmo que ela não saiba nada dessa conversa. É que ela não precisa buscar correspondência nem se declarar para dizer que tem uma namorada e que está amando. Basta que ela cisme que acha a outra bonita e que é sua namorada e pronto. Somente outra, talvez no momento seguinte, para tirar essa ideia de paixão da cabeça.
Nesses momentos é que surgem as cordialidades amorosas, pois o lanche passa a ser dividido, ela recebe uma flor, um presentinho qualquer, uma maçã do amor. Ele gosta e se encanta mesmo é quando compra algodão doce e ela aceita experimentar e se lambuza toda. O mais calmo vai passar a mão para tentar limpar o açúcar espalhado pelo rosto, mas ninguém duvide se outro, apaixonadamente, levar a língua diretamente no rosto da amada. E quem dirá que não é um gesto encantadoramente apaixonado?
Meu tempo de ser criança passou. Há um minuto atrás pensei que poderia ainda ser criança quando bem quisesse. Mas agora lembro que pra ser criança a pessoa não pode sofrer de verdade, não pode ter solidão de verdade, não pode viver angustiada de verdade. Por isso não sou e nem posso ser mais criança. O meu tempo passou. Mas ainda amo, e sempre feito criança.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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