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domingo, 17 de abril de 2011

A SOLIDÃO NOS TEMPOS BÍBLICOS (Crônica)

A SOLIDÃO NOS TEMPOS BÍBLICOS

Rangel Alves da Costa*


A solidão é fenômeno comportamental e situacional que antecede a própria história, pois antes do surgimento de qualquer coisa preexistia o vazio habitado somente pela mais pura solidão.
Quando o homem surgiu, espalhado que estava na imensidão inóspita, muito distante de tudo, era a solidão dos dias que comandava tudo. De um lado a outro somente terra, árvores, serras, montanhas e um horizonte que nem imaginava onde iria dar. No meio disso tudo o ser solitário apenas procurando sobreviver.
Sem falar na solidão tentadora de Adão e Eva no Paraíso, lá pelos primórdios do início da humanidade na concepção judaico-cristã, com o advento dos tempos bíblicos, há mais ou menos 4.000 anos (no séc. XVII A.C.), e ainda em virtude de uma vida bucólica e pastoril, a solidão sempre esteve fortemente presente na vida daquele povo.
A bíblia traça toda a travessia cristã situando-a praticamente em regiões inóspitas, em descampados, montes e montanhas e principalmente desertos. O próprio livro da cristandade denomina alguns desses caminhos percorridos:
“No dia seguinte, pela manhã, Abraão tomou pão e um odre de água, e deu-os a Agar, colocando-os às suas costas, e despediu-a com seu filho. Ela partiu, errando pelo deserto de Bersabéia” (Gen 21,14); “Moisés fez partir os israelitas do mar Vermelho e os dirigiu para o deserto de Sur. Caminharam três dias no deserto, sem encontrar água” (Ex 15,22); “Davi, sabendo que Saul tinha saído para tirar-lhe a vida, ficou no deserto de Zif, em Horcha” (I Sm 23,15); “Salmo de Davi, quando se achava no deserto de Judá” (Sl 62,1).
Assim, o povo bíblico vivia em constante instabilidade, saindo de um lugar para outro, caminhando pelos terrenos mais áridos, subindo nas mais íngremes montanhas e percorrendo e até habitando inúmeros desertos. Dentre tais regiões estão os desertos de Bersabéia, de Farã, de Etão, de Sur, de Sin, de Sinai, de Negeb, de Azazel, Ijé-Abarim, de Zif e de Gabaon.
Ademais, segundo afirma Helcius Klein (“A tentação no deserto”) “Era tradicional, na cultura judaica, os homens santos buscarem lugares ermos para longas meditações. Esses períodos de solidão, marcados pelo contato mais intimo com a natureza e por frugal alimentação, quase um jejum permanente, ensejavam um despertamento de forças espirituais que faziam deles autênticos taumaturgos, dotados de grande força moral e notáveis poderes psíquicos. Algo semelhante ao que fazem, desde a mais remota antigüidade, os faquires hindus, que mortificam o corpo para enrijecer o Espírito”.
A própria bíblia fala da solidão do Senhor no deserto, sendo tentado por quarenta dias e quarenta noites. Jejuando e meditando, refletindo na fé para não se deixar conquistar pela perspicácia do inimigo: “Em seguida, Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto para ser tentado pelo demônio. Jejuou quarenta dias e quarenta noites. Depois, teve fome. O tentador aproximou-se dele e lhe disse: Se és Filho de Deus, ordena que estas pedras se tornem pães. Jesus respondeu: Está escrito: Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus” (Mt 4 1,4).
Em inúmeras passagens a bíblia trata da solidão desse povo, principalmente quando o coloca em longa marcha para alcançar seus desígnios de fé. Certamente que naquelas distâncias áridas, no cansaço dos dias e das horas, qualquer instante de descanso e repouso era também um momento para meditar. E todo meditação traz consigo aspectos de solidão.
E de um lado a outro a solidão do caminhante, do discípulo, do soldado perseguindo, da vida escondida debaixo dos montes, nas tocas, feito animais que oravam e depois iam sumir nas montanhas para gritar silenciosamente para o seu Deus.
“Então gozará a terra os seus sábados enquanto durar a sua solidão, quando estiverdes na terra de vossos inimigos; então a terra gozará os seus sábados e repousará” (Lv 26,36).
“Israel habita em segurança, fonte de Jacó corre, na solidão, numa terra de trigo e de vinho, o céu destila-lhe o orvalho” (Dt 33,28)
“Quantas vezes no deserto o provocaram, e na solidão o afligiram!” (Sl 77,40)
“Erravam na solidão do deserto, sem encontrar caminho de cidade habitável” (Sl 106,4)
Ide, filhos meus! Ide! Quanto a mim, permanecerei na solidão (Bar 4,19)
“Feito isso, subiu à montanha para orar na solidão. E, chegando a noite, estava lá sozinho” (Mt 14,23).
E tão sozinhos ainda estamos, esperando por Ele.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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