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segunda-feira, 10 de outubro de 2011

NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 56 (Conto)

NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 56

                                          Rangel Alves da Costa*


Entusiasmada e completamente encantada, Carmen Lúcia agradeceu a acolhida de seu professor e advogado, porém no instante já procurou se conter diante dos assuntos de suma relevância que deveria tratar ali.
Relatou fato por fato, disse tudo o que sabia, e a cada novo relato parecia surgir uma nova indagação no semblante do velho operador do direito. Por fim, Dr. Céspedes Escobar, que insistia que ela o tratasse apenas como professor, falou:
“Agatha Christie, Arthur Conan Doyle, Edgar Allan Poe, Raymond Chandler e Dashiel Hammett talvez tivessem colocado suas tintas policialescas nessas histórias, nesses enredos traumatizantes. Juro por Deus, minha filha, estou verdadeiramente estupefato pelo que tive o desprazer de ouvir. Então, você me diz, em síntese, que estes dois rapazes foram condenados inocentemente, com a participação daquele causídico que deveria defendê-los, mas também, e principalmente, pela corrupção do magistrado e suas forjadas sentenças condenatórias, além do envolvimento de um representante do órgão ministerial e de outro juiz, não foi isso mesmo? Mas tudo bancado por figurões do meio social e empresarial, tendo um mandado condenar o jovem apenas porque é pobre e sua filha estava apaixonada pelo dito, e o outro, o tal do famoso agiota, mandado acabar com a vida do rapaz somente porque o pobre do trabalhador tem o mesmo nome que o do seu filho. Então, prendendo um inocente, o filho do larápio estaria esquecido pela justiça, vez que o mandado de prisão teria sido desviado e cumprido perante o que continua preso, não foi isso mesmo? É o reino da ratoeira e da ratoaria, a caverna dos morcegos sanguinários, o covil das serpentes amaldiçoadas. Só pode ser isso. Mas sabe como isso tudo acabaria de uma vez por todas, através de um outro tipo de sentença? Somente pela canetada da mídia, da imprensa ainda corajosa que existe. Somente assim, pois recorrer ao judiciário contra o erro do próprio judiciário é chover no molhado. Há um corporativismo tamanho, com corrupto escondendo as mazelas e as podridões dos colegas de toga, que de repente, de tanto um se envolver com o outro jogando esse nefasto e odiento manto protetivo, ninguém sabe mais nem quem é honesto ou desonesto no judiciário. Como uma família que abdicou da responsabilidade, da honestidade e da vivência ética para buscar crescimento e enriquecimento de modo fácil e ilícito, bem assim existe numa matiz familiar, numa parcela do judiciário, corrupta a toda prova e desonesta a todo custo, que serve apenas para enlamear o nome de uma raiz tão importante e que tem por missão maior fazer justiça. Diria Ulpiano que a cada um o que é seu. Mas urge indagar: em muitos casos, como esse que você trouxe à baila, quanto custa dar a cada um o que é seu? Daí, minha futura jurista, preciso perguntar mais uma coisa. Por favor me responda se sabe quem é o cabeça dessa verdadeira organização criminosa, que, nesse caso, tem como rama o advogado e como fruto podre o magistrado. E de antemão saiba que esse organograma criminoso se estenderá ainda mais, vez que o próprio magistrado, agindo assim na vara de sua competência, certamente tem ramificações espalhadas lá dentro do próprio tribunal e envolvendo até gente da mais alta hierarquia, envolvendo alguns daqueles figurões cuja maior mentira do mundo é a pecha de integridade e honestidade que ostentam. E fazem isto pelo poder absoluto que exercem sem que ninguém tenha coragem de apontar os podres do reino da Dinamarca. Mas todo mundo sabe que alguns daqueles que ostentam os mais altos brasões da instância superior local são mais desonestos e praticam mais ilícitos do que muitos daqueles que estão presos e que, não raro, estes mesmos já denegaram um habeas corpus, deram improvimento a uma apelação, não conheceram de um agravo de instrumento ou coisa parecida. Desculpe se peguei ladeira abaixo, mas lembra da indagação que fiz?
Carmen estava quase sem fôlego diante do que ouviu, de olhos arregalados e praticamente sem saber o que dizer. Mas retomou o que tinha em mente e lembrou-se da indagação feita para responder:
“Ah, sim, professor, desculpe-me, é que estava procurando assimilar suas palavras e tentando não desistir da advocacia diante de tanta verdade escabrosa. Mas creio que o senhor quer saber se eu sei alguma coisa sobre quem é o verdadeiro articulador dessa rede de corrupção, aquele que organiza em cada ponta o tipo de corrupção a ser praticado, não é isso mesmo? Pois bem. Creio que o Deputado Serapião Procópio, aquela cobra velha conhecida demais pelas suas falcatruas e já envolvido em muitos escândalos de toda ordem, mas sempre envolvendo dinheiro, poder e corrupção, há de ser o mentor de toda essa rede. Na minha concepção, é ele o elo entre aqueles responsáveis pela condenação, envolvendo, juiz promotor e advogado e a parte civil da coisa, envolvendo os pais tanto da mocinha apaixonada por Paulo e do Josué que deveria estar na penitenciária no lugar do outro Jozué. Creio também que seja ele quem recebe o dinheiro da parte civil e, logicamente após tirar o seu, faz o repasse para os envolvidos na parte processual. Concebo assim o organograma dessa estrutura...”.
E o Dr. Céspedes prontamente pediu licença para interromper e fazer uma observação pertinente:
“Então já está tudo mais que explicado e não haveria de ser nenhuma novidade, pois onde há corrupção infelizmente a gente pensa logo em duas classes que gostam de estar envolvidas nessas tramóias nojentas, que são a policial e a política. Por mais que queiram ser sérios e incorruptíveis demais, no seio da policial há um verdadeiro cancro que jamais foi e será extirpado, vez que alimentado dia e noite para livrar a barra de muita gente grã-fina e bandida. Dentro da classe política, de tão vergonhosa que já é, o difícil é saber quem não é corrupto naquele meio. E essa velha cobra que você citou o nome, o Deputado Serapião Procópio, tenho certeza que só não está preso porque se agarra com unhas e dentes nas prerrogativas que são garantidas aos parlamentares. No dia que perder uma eleição quero ver com quais santos ele vai querer se apegar. Desse modo, Carmen, o que nos resta agora a fazer é trilhar rapidamente duas frentes de defesa dentro dos dois processos...”.
“E quais seriam, professor?”, indagou Carmen animada, ao que ouviu como resposta:
“Elaborar os recursos de apelação indo além do que o código de processo manda, indo além dos requisitos estabelecidos, indo além da mera inconformidade e do pedido de absolvição diante das teses demonstradas. Logicamente que os pedidos de reforma total da sentença condenatória deverão se voltar para os elementos que não foram considerados para comprovar a inocência dos dois e que levaram o juiz safado a chegar àquelas injustas conclusões. Contudo, o principal, ainda que a lei não preveja como elemento de alegação em fase de recurso de apelação, será dizer em letras bem legíveis o porque da condenação, quais os interesses da condenação, quem está por trás da condenação. E mais, dizer ainda que tais aspectos sairão da esfera judicial para ganhar status de notícia através da imprensa e dos organismos nacionais e internacionais que ainda tentam combater a corrupção e as mazelas que vivem escondidas debaixo do tapete do judiciário. Certamente os homens lá de cima, da instância superior local, tomarão um susto. E nesse susto já se abrirá a ferida, e então será através do medo deles, do temor que tudo realmente saia de lá e chegue aonde eles não desejam de jeito nenhum, que poderemos reverter a situação”.

                                                 continua....





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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