SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 12 de outubro de 2011

UM CACHORRO, UM PAPAGAIO... (Crônica)

UM CACHORRO, UM PAPAGAIO...

                                       Rangel Alves da Costa*


Uma casa num lugar mais alto e descampado, quase um morro que um dia foi verdejante, porém agora se mostrava numa secura árida, com árvores desfolhadas, nuas, tão magras como o cachorro que ia e vinha de um canto a outro.
A casa era toda erguida no barro e na ripa, encoberta por palhas entrelaçadas, de modo que não havia lugar para goteira nem um pequeno rasgo por onde uma fresta de sol pudesse entrar. Por isso tão escurecida por dentro e triste por fora. O mais estranho é que a janela e a porta estavam abertas, indo e vindo na força do vento, mas ninguém aparecia.
Era tudo muito solitário e solidão. Desde cedo que a janela e a porta estavam daquele jeito, ao sabor do tempo, e o seu morador nem dava sinal que estava dentro ou se ia chegando. De vez em quando o cachorro entrava e saía. Já ao entardecer ele voltou lá de dentro segurando um objeto na boca e depois jogou pelo chão e começou a estraçalhar.
O papagaio foi pego de surpresa enquanto, triste e angustiado, chamava repetidamente pelo nome do dono. Como o seu senhor não apareceu, o cachorro, que não tinha comido nada até aquela hora, se achou no direito de tomar posse. Abocanhou com a rapidez dos caçadores, sufocou o bichinho e saiu porta afora. Depois comeu o conversador com a avidez dos famintos.
Após devorar o ex-amigo ficou dando voltas pela casa pra fazer a digestão. Verdade é que não estava se sentindo bem. Ainda após o último lamber de penas sentiu que o seu organismo não havia ingerido e assimilado bem aquela estranha iguaria. Já havia comido rato, preá, gato e até cobra, mas papagaio tinha sido a primeira vez.
Sentiu que a coisa estava ruim mesmo, pois era se como lá por dentro, pela barriga e se espalhando pelos outros compartimentos, alguma coisa estivesse se movendo de um canto a outro. Parecia que o mastigado se juntava de novo em pedaços e os pedaços buscavam as outras partes, como se quisessem se unir e causar um problema sério para o comedor de amigo.
Se sentindo realmente mal, deitou num lado da parede de barro, procurando ajeitar o corpo na sua cama de cachorro já cavada na areia e ali se entregou à esperança de conseguir adormecer e acordar bem melhor. Se não ficasse bom não sabia nem o que fazer, pois já tinha ouvido uma história de cachorro doido e não gostou nada do que ouviu.
Cochilou pesadamente, depois adormeceu mais pesadamente ainda, mas não pelo sono nem pela disposição de dormir, e sim pela estranheza cada vez maior que continuava sentindo na barriga e agora parecia querer subir pela goela e sair pela boca. Triste sina, pensou antes de se entregar totalmente aos braços de Morfeu.
Dormindo pesado começou a sonhar levemente, feito pluma, pipa de criança, penugem pelo ar, folha seca ao vento. Era um cachorro com asas; era um cachorro nas nuvens; era um cachorro voando; era um cachorro subindo distante num foguete; era um cachorro descendo de paraqueda; era um cachorro levado na ventania; era um cachorro arremessado do ar e caindo bem ao lado de um papagaio.
Papagaio! Mais uma vez o instinto gritou: Papagaio! Só podia ser fantasma de papagaio, pois havia comido o bicho. E pensou que o fantasma de penas o havia jogado ao fundo de um buraco bem escuro, pois não enxergava nada. Também pudera, já era noite fechada, noite de breu, retinta escuridão, sem lua sem nada, apenas noite dos lobos uivantes nas montanhas entristecidas.
Mas conseguiu abrir os olhos e enxergar um pedacinho de lua escondida por trás das nuvens. E então começou a falar e se perguntar por que havia acontecido aquilo, porque tinha dormido tanto, porque ainda continuava com uma sensação de ter um papagaio vivo e inteirinho na barriga. E o pior, falando através de sua boca. Nesse momento então se questionou assustado se cachorro falava. Se dando a resposta que não, começou a gritar e a chorar tão alto que os lamentos foram ouvidos por trás das montanhas e mais distante. Muito mais distante.
E agora Senhor, hei de falar o que sofro ou latir o que sinto?




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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