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terça-feira, 18 de outubro de 2011

NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 64 (Conto)

NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 64

                                          Rangel Alves da Costa*


Diante da confissão do advogado, depois de saber que estavam tramando contra sua vida, Carmen baixou a cabeça um instante e em seguida, ainda de olhos voltados para baixo, disse:
“Todo o mal recairá, antes de tudo, naquele que tenciona fazer maldade. Ademais, têm de saber que a minha morte, se é isso que eles realmente pretendem, não apagará nada do mal que foi feito. Impor-me um silêncio dessa magnitude, forçadamente silenciar-me, ainda assim não calará o grito do que já ecoa no mundo dos justos. Ou você acha que mais cedo ou mais tarde toda essa sujeira não virá à tona?”.
E Auto Valente, agora mais firme para poder falar, vez que inegavelmente havia fragilizado a moça, respondeu, procurando ser convincente o máximo que pudesse:
“Certamente eles também sabem disso. Espertos como são, já devem estar se cercando de as todas as cautelas. Nesse momento mais ainda, vez que o juiz daquela vara criminal está indo para o tribunal de justiça, logo se tornará desembargador...”.
“Mas eu não acredito nisso. É verdade mesmo que o corrupto, o mercador de sentenças, o larápio, o infame, o injusto, logo será desembargador? Aonde chegamos meu Deus, um verdadeiro bandido, uma pessoa que verdadeiramente enlameia o que resta de nome e conceito no judiciário, ser escolhido desembargador. Fim dos tempos, fim da moral, morte da ética, suicídio da justiça, invalidação de todas as leis do mundo. Nós sabemos muito bem que aquele homem deveria ser expulso da magistratura a bem da justiça, do respeito ao judiciário, e não ser premiado alçando o mais elevado posto do judiciário estadual. Só falta subir pras bandas de lá. Só vou acreditar no que disse por que sei que faz parte do mesmo caldo sujo e putrefato daquela panelinha. Então é isso, então devem estar com medo que eu espalhe essa sujeira toda e a honra judicante e a moral sentenciante desse bandido sejam atingidas, não é isso mesmo?”
Auto Valente já conhecia bem essa inteligência dela, já tinha certeza que de lá sairiam apenas às lógicas mais conclusivas, mais evidentes. Então satisfez a indagação recebida:
“Não somente ele, não apenas o juiz, você sabe bem disso. Como já afirmei, tem muita gente graúda envolvida nisso e cada um querendo defender sua parcela de honra. Já que não possuem honra mesmo, se apegam num devaneio de honradez e saem comprando um pedaço de honra aqui outra ali. Por isso mesmo é que defendem a honra que não possuem a todo custo. Não somente isso, pois defendem e impõem de tal forma que aqueles que não o conhecem só faltam se ajoelhar aos seus pés. De repente, até mesmo eles se acham as pessoas mais puras e imaculadas do mundo. Mas nessa panela de honrados todo mundo tem medo da água fervente, borbulhando ao lado. O problema é que estão todos numa situação que se um cair pode também derrubar o outro, puxar maldosamente o braço do outro. É tudo falso, perigoso demais. Nesse perigo é que mora o perigo, pois qualquer ameaça que sentirem logo procurarão se defender através das armas mais vis que possuam. Entende onde quero chegar? Se o juiz se sentir ameaçado na subida do mais alto degrau, então não sobrará pedra sobre pedra. Um vai levando o outro, e assim por diante. Até eu, um pobre coitado que entrei nisso tudo quase de graça, a qualquer momento poderei ser a próxima vítima. Contudo, quando se fala do juiz a coisa complica ainda mais. Vou fazer uma pergunta que eu mesmo tenho de responder: O que é que uma pessoa da sociedade pensa de um desembargador? Evidentemente que logo irá imaginar uma pessoa preparada, extremamente competente, conhecedor profundo das leis, com reputação ilibada, as melhores virtudes judicantes, honra e moral inatacáveis. Não é isso mesmo? Pois bem, mas isto o pretendente a desembargador já deve ter no seu exercício atual, ou seja, todas essas qualidades já devem estar estampadas naquele juiz, por exemplo. Quer dizer, o homem já deve tomar posse carregando em si todas as insígnias das melhores e maiores virtudes. E por mais que a gente saiba que não é assim, que aquele futuro desembargador é um safado mesmo, um corrupto de marca maior, ainda assim é como se nada disso existisse. O que é vale a toga, o poder, a caneta. Ademais ninguém vive enxergando por dentro do bolso nem da conta bancária. É um absurdo, repito, mas todas essas qualidades ruins contidas naquele juiz já são mais do que conhecidas pelos seus futuros colegas de beca e data venias. Os desembargadores que o acolherão em festim já sabem muito que o homem não vale nada, é um biltre, um verme. Mas o pior é que gente assim, corrupta demais, sempre conhece demais sobre o metiê em que atua e também sobre a realidade putrefata lá de cima. Daí que, conhecendo os podres dos seus pares, os seus podres logo se tornam num agradável perfume, numa agradável fragrância. É aquela história afirmando que porco não pode reclamar do mau cheiro do outro. Só fico com pena de tanta gente de bem que há ali dentro do tribunal, verdadeiros baluartes em busca da justiça e do direito e defensores maiores da honradez na função judicante. Contudo, infelizmente estes são os mais criticados, os mais tidos como problemáticos nas suas decisões...”.
Carmen deixou que o advogado expusesse calmamente seu pensamento, afinal de contas ninguém tinha mais conhecimento sobre o tema do que ele, vez que envolvido naquele círculo viciado e vicioso. Mas depois resolveu interrompê-lo para perguntar exatamente o que tencionavam fazer com ela.
Ao ouvir a indagação, o advogado olhou pra cima e para os lados, mostrou-se um tanto comovido e com o rosto mais enrubescido, um brilho diferente no olhar, e após fixar os olhos bem dentro do olhar do olhar de Carmen, se aproximando do seu rosto o mais que podia, disse:
“Se eu não te amasse tanto nem estaria aqui, juro por Deus; se eu não te amasse tanto não olharia nos seus olhos como estou olhando agora; se eu não te amasse tanto não estaria sofrendo tanto e com o coração magoado, dolorido demais, como estou agora. Sempre te amei Carmen, sempre te quis, sempre te desejei...”
Espantada com a repentina revelação, ela deu um passo para trás e disse que aquele não era momento para tais confissões. E disse mais:
“Ora, doutor Auto, não tenho competência para dizer sobre os seus sentimentos, se são verdadeiros ou não. Se você é capaz de amar alguém eu não posso falar, pois até os animais dito irracionais têm o privilégio do querer e do desejo. Mas quanto a você, quanto a essa revelação, infelizmente tenho de lhe deixar sem qualquer esperança. Aliás, beijaria a boca de uma hiena e não a sua, abraçaria um gambá e jamais você, viveria com um porco espinho e jamais com você...”.
“Mas tem razão no que pensa e no que diz. Sei que o que fiz é imperdoável e que não merecia nem mais um olhar de sua parte, porém não estou pedindo que me ame, não estou dizendo que fique comigo, pois estou afirmando apenas que amo você. Oh, Carmen esse amor é meu, esse amor é meu, e te amo e amarei sempre mesmo que o seu ódio continue como resposta. E porque te amo tanto peço, verdadeiramente imploro, saia desse lugar, mude de endereço, se esconda por uns tempos, não deixe que esses bandidos consigam lhe fazer qualquer mal. Mas faça isso hoje mesmo, pelo amor de Deus!”.

                                                continua...






Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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