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quinta-feira, 6 de outubro de 2011

SAUDADES, CARTAS E REGRESSOS (Crônica)

SAUDADES, CARTAS E REGRESSOS

                             Rangel Alves da Costa*


Não iria chorar nunca mais, havia prometido a si mesma. E não chorou nunca mais, como prometera a si mesma.
Então, quem era aquela que lacrimejava ao entardecer na janela, com o rosto triste, os olhos perdidos ao longe, lenço pendido na mão?
Não restava dúvida que era ela sim. O rosto formoso, ainda que pálido demais; o cabelo negro e liso esvoaçando a cada sopro, ainda que ela não sentisse; a janela do quarto dela, o quarto da casa dela, a casa solitária, ainda que existisse ela.
Chorava sim, havia prometido não chorar nunca mais, mas chorava sim. Uma plantinha murcha que estava embaixo da janela agradeceu quando sentiu a primeira gota caindo sobre o seu marrom. Mas se não era chuva, então era a amiga que chorava. Olhou pra cima e também entristeceu.
Contudo, por mais estranho que pudesse parecer, não havia quebrado sua promessa de não chorar nunca mais. Aquela tristeza, aquela angústia, aquele chorar na janela possuía outro motivo, e bem diferente de qualquer outro que pudesse fazê-la em prantos.
O amor de ontem, o amor renegado, o amor desamado, este sim, não provocaria mais uma lágrima sequer. Se amou demais e de coração entregue aos caminhos do querer, sem motivos se viu sozinha e abandonada por quem a havia levado ao desconhecido, já havia renascido dessas cinzas.
 Já que de toda desilusão e desamparo havia conseguido retornar inteira, então agora estava de mãos lavadas e com a certeza de jamais ter errado ou dado causa ao fim daquela relação amorosa. O preço do arriscar também se pagava assim. Havia quitado tudo, por isso mesmo nem mais uma só lágrima por causa desse passado.
Assim, decididamente por amor não choraria mais, é verdade. E por enquanto estava firme no cumprimento de sua promessa. Mas uma inocente carta que havia recebido outro dia é que poderia complicar tudo. Por que uma carta reabriria tão vorazmente a fonte dos olhos?
Saudade, primeiro isso, saudade. O que havia recebido não era apenas uma carta, mas uma imensa saudade de outros tempos, da infância e adolescência e do amor dando os primeiros passos nesses tempos.
Saudade, em segundo lugar, saudade. Desde que a família mudou de cidade e o menino se fez destino em outro lugar, nunca mais o tinha visto. Mas isto não significava esquecimento, deixar de recordar e desejar tê-lo ao lado apenas pela simples ausência. Porque o amava demais, aquela distância também era amor.
A carta, em terceiro lugar, a carta. Não esta recentemente chegada, mas outra, de muito tempo atrás, dizendo em letras trêmulas e cheias de pranto que nunca a havia esquecido, que não passava um só dia sem lembrar o passado entre os dois, que a coisa que mais desejada no mundo era poder reencontrá-la.
A carta, em quarto lugar a carta, só que esta carta mesmo, a missiva ali ao lado dela no umbral da janela, já molhada e amassada de tanto ser lida. E nela ele dizendo que não importava se ela estivesse casada ou não, noiva ou comprometida, de da par romântico ou não, pois apenas gostaria de vê-la nem que fosse ao longe, enxergando feito miragem aquela feição que jamais esquecera.
O regresso, por último o regresso. Não que ele tivesse partido e a deixado ali esperando na porta da frente ou na janela, no silêncio doloroso do quarto ou olhando adiante na curva da estrada. Não, pois aquele regresso era o de quem jamais deveria ter partido um dia, mesmo menino, mesmo num tempo muito distante.
E a lágrima. O pranto pelo prazer e a tristeza do regresso; o pranto de alegria e de medo pelo retorno; o pranto pela vontade de encontrá-lo novamente e o temor por não saber se mais tarde haveria uma nova despedida.
Aquela lágrima sim, merecia chorar. Mas o lenço enxuga os olhos e depois é rasgado para nunca mais acenar.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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