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quarta-feira, 19 de outubro de 2011

O NASCIMENTO DE NENZIM (Crônica)

O NASCIMENTO DE NENZIM

                                  Rangel Alves da Costa*


Quando Filó Parteira botou a cabeça por entre o cortinado da porta e depois saiu com o candeeiro na mão dizendo que podia botar o capão de mulher parida no fogo, então Zé Tonhim, que já estava que não agüentava mais de nervosismo, passou a não entender mais nada.
Mai Sinhá Filó, se o bruguelo nasceu entonce se haveria de ouvir choro, e cadê o choro do menino? Perguntou o pai desconcertado. Então a parteira, deitando as mãos negras numa bacia de água, respondeu sem olhar pra trás:
Ele já nasceu conversano e dixe que num queria chorar não. Quis dá umas palmada na bunda, mai ele dixe que nem se atrevesse pruque senão ia receber o troco. Ademai, foi o danado mermo que cortou o cordão do umbigo e se ajeitou todinho. Agora tá esperano uma bacia d’água pra se lavar e uma roupa pá vestir. Nem vá com paninho pra cima dele que pode se asucedê o pió, tô dizeno...
Mai primero tenho que mandá botá o danado do capão no fogo que é pá ficar pronto logo. A muié deve tá enfarquecida demai e percisa comer o pirão de muié parida que é pá vortá as sustança... Disse o marido e pai, num misto de desespero e satisfação. Mas a velha logo complementou:
E quem dixe que o capão é pá sua muié parideira? De jeito nenhum, nem fale numa conversa dessa que corre o risco dele ouvir. Na verdade, quem dixe que ia tomá banho pá comer o pirão gordo do capão foi seu fio, aquele mermo que nasceu inda agorinha.
E o pai, coitado, já desconfiado demais da qualidade da prole chegada, começou a fazer perguntas e mais perguntas à velha parteira:
Me diga uma coisa, e com sinceridade Sinhá Culó, que fio meu que nasceu é esse que num chora, que ele mermo é quem corta o cordão do umbigo, já sai conversando, valente e zangado demais, vai pedino e exigino que faça isso e aquilo, que leve água pá ele tomá banho, que leve roupa de home pá ele vestir, que apronte logo o pirão de capão, que faça isso ou aquilo? Só fartava agora querer ser o dono da casa e arrumá uma namorada...
Acertou em cheio, respondeu Sinhá Culó. E disse mais: Acertou em cheio, mai nem tudo aina. Ele já dixe que quem manda aqui é ele e que só vai saí de lá do quarto quano vosmicê mandá ajeitá a casa todinha, comprá outos move, pintá as parede e os rodapé, mudá as porta e as janela, deixá tudo no gosto dele. E tudo pruque num quer que a namorada entre nessa tapera mulambenta. Ao meno foi isso que ele dixe...
E o coitado de Zé Tonhim só faltava botar fogo pelas ventas. Aquilo já estava demais, já era afronta que homem valente e de respeito não suportava não. O problema é que era seu filho, pois se fosse outro já ia amolar a faca, botar pólvora na espingarda, esfregar a carabina. Mas era o filho, o problema é que era o próprio filho que estava criando todo aquele problema.
Mesmo enraivecido de se acabar de raiva, se morder todinho feito cobra ruim, pensava rapidamente e o que pensava não era coisa boa não. E era como se a mente falasse:
Mai ora, se o diachinho ainda nem acabou de nascer já tá desse jeito, imagine quano tiver maiorzinho, já tomano porte de home, cuma num deverá fazer? E se for verdade tudo isso que a véia parteira tá dizeno, veiz que a muié num ia menti, o que será agora? E o pió, o que será de agora em diante e pá o resto da vida?
E tomou uma espetaculosa decisão. Chamou a velha num canto, botou a mão no fundo do bolso mais fundo que tinha na calça, de lá tirou duas notas grandes e disse:
Bote ele de vorta que não quero mai fio não. Cuide de botá ele de vorta de one ele veio que num quero ele aqui mai de jeito nenhum. Tome aqui esse dinhero e se achá pouco depoi tem mai, mai faça o que puder na vida, vire milagrera, feiticera, o que for, mai bote esse danado desse diacho lá pelo quinto dos inferno de one nunca devia ter saído...”.
E a velha contestou no mesmo instante: E pruque eu deveria fazê isso, se o menino é a sua cara, cuspida e lambida? Sua mãe me dizia que vosmice era assim tomem, um menino que nasceu valente. Mai depoi...
Depoi o que? Diga véia, diga! Fumaçou de vez o homem, querendo saber se dali vinha alguma ofensa. E veio.
Mai depoi num qué nem criá o fio de seu cumpade Lampião!!!
Só pudia ser, pruque meu num é. Aina bem. Entonce faça o que ele quiser...
A velha parteira ria de se acabar. E o homem baixou a cabeça e saiu desconfiado da sala, ouvindo entre as gargalhadas: Oi o chifre, cuidado com a porta!




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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