Rangel Alves da Costa*
Há um ditado popular asseverando que a
cantiga da perua em uma só. Quer dizer, na calmaria ou na tempestade, em tempo
bom ou ruim, o gluglu ouvido será o mesmo. Tudo se repete do mesmo jeito, tudo acontece
exatamente como em outras situações. O gluglu da perua, ou seu canto mesmice,
não se diferencia muito de outras situações na vida, onde tudo se repete como
praga ruim. E mesmo que todas as promessas do mundo sejam feitas para um canto
novo.
Tal preâmbulo para dizer que ano após ano e
tudo acontece como um calendário fixo aonde a pessoa vai apenas mudando a data
e não os dias. Desse modo, nada de novo parece acontecer, e raramente acontece,
pois as previsões são de que os mesmos eventos de anos anteriores se repitam,
mudando somente o contexto e os envolvidos. Infelizmente é assim mesmo que se
observa. Aquilo que aconteceu no passado e todo mundo esperava que jamais se
repetisse, eis que repentinamente desponta como manchete televisiva.
Tudo isso causa espanto porque o ser humano
dividiu o tempo em anos e não quis reconhecer que a existência é uma continuidade
só, sem intervalos ou diferenças. Existe a ideia de passado e presente, de
ontem e hoje, quando tudo deveria ser visto como prosseguimento, como ininterrupção.
Desse modo, não teria cabimento dizer que o homem moderno age com bestialidade
primitiva ou que a sociedade moderna não evoluiu em muitas situações. Ora,
apenas repete o já conhecido, só isso.
O mesmo se diga com relação à ideia de ano
velho e ano novo. Não há ano velho nem ano novo, apenas um tempo contínuo, uma
repetência desde que mundo é mundo. O ano que vai nascer vai apenas seguindo os
passos de um calendário desde muito vivenciado. E a prova maior é que mesmo
daqui a dois, três anos ou mais, e tudo parecerá como se fosse neste ou no ano
passado. A não ser no envelhecimento do ser humano, efetivamente não há mudança
nenhuma.
Ademais, não há qualquer ano dito como novo
que traga coisas novas, pois tudo se copiando com um ou outro aprimoramento, ou
até mesmo regredindo. Daí ser errôneo se imaginar que a cada alvorecer de
janeiro a vida e o mundo se abrem para novas perspectivas. Não, pois o homem
não quer. E não deseja que aconteça porque acostumou com o conhecido e calejado
e não se permite qualquer transformação. A verdade é que foge ao reconhecimento
dos erros e por isso mesmo nada busca modificar. Contudo, o pior é que vai
prosseguindo dando validade a um fardo de coisas ruins.
Sem transformação a partir do ser humano, o
mundo – e a qualquer tempo – nada mais será que uma mesmice. Tudo se repete,
tudo irrompe quando se tinha como já morto e enterrado. Não há modernidade que
mude a mente humana, não há tecnologia que transforme seu modo de ser e agir.
Continuará como primitivo, bárbaro, bestial, e somente assim reconhecido porque
se esperava ao menos que agisse diferente num tempo onde não há mais que
enfrentar o perigoso e desconhecido para sobreviver. O homem de hoje ainda vive
de tocha à mão, machadinha de pedra e lança de bambu desafiando feras.
Parece ainda distante, pois 2014 ainda se
despede e o dito ano novo só está com as chaves à mão, mas não será exercício
de futurologia antecipar o que terá acontecido quando dezembro de 2015 chegar.
A verdade é que nos despedimos de 2013 esperançosos demais com o ano que agora
se finda. E o que aconteceu realmente na política, na nação, na vida do povo? E
assim ano após ano, com cada dezembro representando a fuga das tristezas e
absurdos acontecidos ao longo dos meses passados.
Desse modo, não será difícil avistar o final
de ano de 2015, na perspectiva de conquistas sociais, da moralidade nas
instituições e nos homens públicos, nas ações dos governantes, nas manchetes
que estarão rotineiramente estampadas nos jornais e disseminadas pela televisão.
A cada início de ano sempre ressurge a esperança que enfim tudo vai melhorar,
que os erros cometidos já foram suficientes para não serem reincididos, que as
corrupções já foram tamanhas que não há mais espaço para o seu cometimento. Mas
ao final de cada ano e a triste certeza de que tudo aconteceu novamente, e de
forma mais vergonhosa.
A verdade é que, ano após ano, as
retrospectivas de dezembro são as mais desalentadoras possíveis. Entristecem os
fatos costumeiros, como as mortes, as catástrofes naturais, as guerras
dizimando milhões pelo mundo, a pobreza ainda ceifando também milhões de vidas
inocentes. Contudo, são determinados aspectos cotidianos que acabam confirmando
que o homem pouco tem aprendido com os erros ou com as novas realidades. Fatos
que se suporiam cabíveis somente em outras épocas se alastram de tal modo que
mais parecem as barbáries renascidas.
No Natal, por exemplo, além do nascimento do
menino, deveria também se comemorar o nascimento do homem novo. Mas não. O
velho homem, com suas velhas ações, com tudo que lhe envelhece, será o que se
tem como novo a cada ano. E não há ferrugem que vença sua feição corrompida.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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