SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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sábado, 20 de dezembro de 2014

FILID, O DRUIDA


Rangel Alves da Costa*


O povo celta desde muito temia a chegada de estranhos visitantes às suas tribos. E se o temor se confirmasse, então todas as tradições milenares corriam risco de sucumbir. E assim porque o guardião do carvalho da sabedoria um dia havia profetizado que pessoas estranhas ali chegariam empunhando armas para dilacerar não só as vidas como as raízes célticas.
Filid cresceu ouvindo tais preocupações do seu povo. De tempos em tempos aumentavam os rumores da presença de desconhecidos, então o menino percebia que os mais velhos enveredavam pelas florestas para os rituais e mistérios de proteção. Mas nada sabia sobre tais ritos, pois apenas uma criança.
Quando adolescente então Filid procurou, sozinho e sem perguntar a ninguém, o que aqueles anciãos faziam quando adentravam nas florestas e nestas permaneciam por dias e até semanas. Já estava pronto para a viagem ao desconhecido quando sentiu um velho tocar no seu ombro e falar baixinho ao ouvido:
“Certamente que não me conhece, mas desde algum tempo que miro o espelho do seu olhar e nele encontro a imagem da força dos nossos antepassados. Permaneci em silêncio e até lancei murmúrios ao vento acerca do que o destino aguardava ao nosso povo. E como resposta ouvi que um menino se faria homem, e o homem se faria um Druida-Celti para ser o mestre do panteão e protetor de nossas raízes. E ontem percebi que o espelho do seu olhar precisa avistar o que está além e dentro da natureza. Por isso sei que é chegada a hora. E por isso também que estou aqui para lhe acompanhar até dez passos adiante da floresta, o caminho do conhecimento e da vida. E também trago uma surpresa para você Druida-Celti. Então vamos, queira me acompanhar sem nada temer”.
Caminharam por descampados, córregos e bosques, até chegar às margens de uma floresta densa e escurecida. Não havia vereda aberta nem qualquer caminho que apontasse uma direção, apenas grandes árvores ladeadas por labirintos de galhos, folhas e cipós. O jovem Filid então quis saber se conseguiriam chegar a algum lugar diante daquela mata fechada. Mas não haviam caminhado nem dez passos quando percebeu que o velho havia sumido, simplesmente desaparecido como num passe de mágica.
Olhou de lado a outro tentando avistá-lo e quase nem percebe que sua mão direita agora carregava uma espécie de bastão. E aquele era exatamente o bastão que o velho levava também na mão direita. Contudo, a surpresa maior se deu quando ergueu o cajado em direção aos olhos e de repente uma força estranha fez abrir uma imensa clareira na floresta. E ali avistou dezenas de anciões reunidos ao redor de uma águia esculpida num tronco, mas que, ao avistá-lo, rapidamente levantaram para se curvarem em reverência e depois desaparecerem numa bruma espessa.
Em seguida a própria névoa o envolveu e viu diante de si ser aberto o Livro dos Mistérios: Página a página sua história num só instante. Com o cajado à mão, abrindo caminhos no impenetrável, fazendo surgir a luz na escuridão, fazendo cessar a voracidade das tempestades e vendavais. Mas tudo em obediência a deuses da floresta, divindades entronizadas no carvalho, no pinheiro e no abeto, dentre tantas outras árvores. Todos os deuses com seus altares nos arvoredos e bosques. Acima pássaros de fogo e lâmina, e animais desconhecidos ao redor. E ele ouvindo o clamor do seu povo, aconselhando e remediando, ensinando a cura do corpo e da mente, lutando pela preservação dos ritos e crenças.
Filid retornou da floresta se sentindo ainda jovem, com o mesmo espírito dos momentos atrás que ali chegara junto com o velho, mas não sabia, mesmo diante do Espelho do Tronco, que mais de cinquenta anos já haviam se passado naquele encontro com o livro da natureza, naquele panteão envolto em brumas e ensinamentos. Não sabia ele que dali em diante seria aquele Druida-Celti profetizado. Mas não precisava saber, vez que agora transformado no Senhor dos Bosques.
Ao retornar e se encaminhar às tribos para colocar em prática seu aprendizado, ao longe viu algo verdadeiramente estarrecedor: o seu povo já se preparava, nos escondidos da vegetação, para enfrentar uma grande legião romana que se aproximava sedenta de sangue. Gritar para que recuassem não adiantaria, pois todos já tomados do ímpeto do enfrentamento e confiantes nas misteriosas forças célticas para derrotar inimigos. Então rapidamente se transformou num grande pássaro e voou na direção do seu povo. Porém tarde demais, restando-lhe pousar no alto de um pinheiro para chorar a dor do instante.
Então Filid, o Druida-Celti, Senhor dos Bosques, recordou que aquilo também estava escrito no Livro dos Mistérios. Os deuses da floresta se curvariam diante da lança, do arco e da lâmina, assim estava escrito. Porém não significaria o fim, mas renascimento. E assim, depois de avistar os campos banhados de sangue com centenas de mortos, e todos do povo celta, Filid retomou seu cajado e o apontou naquela direção. E uma névoa densa encobriu todos os mortos.
Estavam todos renascidos para a continuidade da vida, dos mistérios e das tradições célticas. Mas o Império Romano jazia morto. Assim o desejo de Filid, o Druida.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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