Rangel Alves da Costa*
Na minha vizinhança, quase ao lado de minha
casa, há um jardim além de um muro com plantas e flores encantadoras. A senhora
dona da casa preserva seu espaço florido com muito cuidado e carinho. Noutros
tempos eu sempre pedia uma florzinha ou outra e ela, não sei se com gosto ou
desagrado, cortava o ramo com a flor e me entregava.
Mas resolvi não mais fazer assim. Ao passar
diante do muro, apenas me atenho um pouco olhando aquela magia em cores e sigo
adiante, ainda que com uma vontade danada de ter à mão um ramo com pétalas
floridas. Contudo, melhor assim, vez que não parece atitude acertada fazer com
que um galho de flor seja cortado da planta para depois ser colocado num copo
com água. E logo começar a perder o viço, a murchar e a secar.
Penso assim, porém ajo diferente em outras
situações, eis que não me contenho diante das flores das praças e logo vou
estendendo a mão para arrancar uma flor miúda. E faço assim para depois sentar
num banco ao redor e tê-la à mão enquanto divago e reflito, medito e recordo.
Mas nunca a jogo ao chão ao levantar pra sair. Ou sigo com ela à mão ou a
coloco num cantinho do bolso, com as pétalas para fora, como se quisesse evitar
que ela sufoque.
No meu retorno, contudo, elas sempre acabam
dentro de livros ou de agendas. E as reencontro tempos após estendidas entre as
folhas, com cores sempre ocres, numa visão triste e poética. De vez em quando
também costumo escrever versos nas páginas onde jazem as flores mortas, como
este aqui:
A vida e a flor no mesmo jardim
e vida e flor para um mesmo fim
a vida e a flor brotando tão belas
e vida e flor murchas às janelas
a seiva alimenta a manhã de tudo
um sorriso na pétala da flor
um sorriso na pétala da vida
e depois o ramo tirado da planta
e depois a flor tirada do mundo
e o que eram flor e vida no jardim
apenas o pó na ventania sem fim.
Mas outro dia encontrei arranjos num singelo
ambiente e acabei recolhendo um ramo de flor diferente. Após a missa da tarde
na catedral aracajuana, fiquei andando pelas laterais observando altares com
imagens de santos. E ali, num mármore abaixo de Nossa Senhora com seu filho nos
braços, um arranjo sortido de flores. Em todos os lugares muitos desses
arranjos, pois ali colocados como enfeites para casamentos da noite anterior.
Sem ponderar muito sobre o acerto ou não,
acabei puxando um pequeno ramo e trouxe consigo uma pequenina e bela flor
amarela. Não sei o seu nome, mas de uma beleza cativante. Ainda permaneci no
local por mais uns três minutos e depois sai da igreja trazendo à mão aquela
recordação. Mas dessa vez não foi para nenhum copo com água ou páginas de livro
ou agenda.
Ao retornar, coloquei-a em cima do birô e
sentei-me sem pressa de levantar. E fiquei mirando aquele pequeno ramo de flor,
vendo muitas imagens e surgindo inúmeros pensamentos a partir daquelas pétalas
amareladas.
Nelas vi o florescimento da vida e os
chamados do outono da existência, vi a flor que somos e o pó que nos tornaremos
depois de resplandecer e aos poucos murchar. E também vi o dezembro que estamos
agora: uma cor que vai desbotando até esmaecer, para renascer em novo jardim.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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