Rangel Alves da Costa*
Varal não é apenas uma corda sustentada por
estacas onde roupas molhadas são estendidas para secar. Varal não é apenas o
caminho certeiro depois da pia de lavagem, do banho ou da limpeza da casa.
Varal é simbologia de transformação. E, por ser assim, nele também estendida
parte da vida, da história, do passado e presente. Daí ser varal do tempo.
No varal, a roupa molhada não demora muito
para enxugar. No varal, o que é estendido respingando logo estará balançando ao
sopro do vento. No varal, o que depois de seco é esquecido vai bailando até se
enrolar em sim mesmo. Ou novamente se molha de chuva e se põe a esperar o sol
ou a ventania. Nada muito diferente do que acontece com a vida: de repente estamos
tão encharcados que nos lançamos aos varais das esperanças.
O lenço fica encharcado de lágrimas, de
angústias e sofrimentos, e somente o varal do coração confortado para enxugar.
O corpo se banha em suor da luta, da correria, do desespero para sobreviver, e
somente o varal de alguma conquista para enxugar. O íntimo se derrama em pranto
por desilusões, amores perdidos ou ausências sentidas, que somente o varal da
força para enxugar. E assim, a cada passo da existência e em toda situação de
vida, de um lado o sentimento molhado e de outro o varal para transformá-lo.
Conheci muita gente que usava o varal para se
lançar às boas e tristes recordações. Depois de lavar a roupa e ir estender,
uma a uma, no varal armado perto da tamarineira, colocava uma cadeira de
balanço no sombreado e ali sentava fingindo vigiar a molecada para não chutar
bola na direção da roupa estendida. Levemente se balançando, lançando o olhar
pelo horizonte, de repente estava chorando.
Não por acaso que assim acontecesse, eis que
o varal também espelha saudade, recordação e, por consequência, também
tristeza, melancolia, sofrimento. Basta observar o que acontece com a roupa
estendida na corda. Fica estendida firme quando ainda molhada, mas aos poucos,
assim que vai secando, começa a levemente se balançar até querer esvoaçar de
lado a outro. Ora, assim também com o pensamento que vai buscando imagens e
recordações até desfraldar todo o sentimento.
As recordações vão surgindo à mente como a
roupa que apenas levemente se embalança. As imagens das pessoas queridas,
ausentes pela distância ou eternidade, vão surgindo à mente como a roupa mais
enxuta que já sente no tecido toda a força do vento. O coração começa a
apertar, os olhos toma o seu próprio leme e as lágrimas começam a se derramar
como furiosa ventania que arranca a roupa seca do varal e a joga pelo ar.
Então, quando a ventania já arrebatou o varal
e fez de cada peça de roupa uma folha seca qualquer lançada pelos espaços, as
lágrimas derramadas encharcam tudo novamente. E a pessoa toma para si, dentro
do âmago, aquele mesmo varal que há pouco estendeu suas roupas. E vai buscar no
conforto, na força e na esperança, o vento bom que lhe restaure as dores
trazidas pelas saudades e recordações.
Ainda hoje relembro aquelas casas
interioranas com seus varais pelos arredores. Meninote, de vez em quando
chutava bola naquelas direções, fazendo que surgissem gritarias e cabos de
vassouras na minha direção. Somente com o passar do tempo fui vendo com outros
olhos aquelas cordas estendidas. E percebi que ali não estavam apenas roupas
estendidas, que ali não tinha apenas a serventia de enxugar panos. Como
afirmado no início, sua significação era muito maior.
E passei a ter o varal como analogia para
muitas situações de vida, principalmente simbolizando a nossa existência. Eis
que não passamos de um pedaço de pano estendido em varal. O pano está limpo
quando ali colocado, e bem assim iniciamos nossas vidas. Depois vai sendo
açoitado pelo vento até secar, e assim vivemos em constante amadurecimento. Mas
não pode ser esquecido pendurado na corda, sob pena de ser corroído pelas
intempéries ou levado na ventania. E de repente o varal solitário, assim como o
que nos resta depois de tudo.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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