Rangel Alves da Costa*
Ao longo do tempo vai ecoando que um mundo
melhor é possível. Certamente que é, mas tudo na dependência do homem enquanto
ser responsável pelas ações e transformações. Ou melhor, por tudo o que ocorre
na face terrena. Mas não adianta as boas intenções de apenas alguns. Ou todos
se comprometem com a dignidade da vida ou todos os esforços jamais passarão de
utopias.
Mas não adianta. A cada dia são maiores as
atrocidades do homem contra o seu próximo, perante a natureza e toda a vida.
Não há lição que seja aprendida, não há derrota que faça reconhecer o erro, não
há reconhecimento de ser algoz diante de tudo, não há sequer humildade para
tentar regenerar-se. Contudo, mesmo diante do pessimismo a utopia é necessária,
mesmo diante da derrocada o sonho deve estar sempre presente.
Diz-se da utopia como um idealismo
fantasioso, um imaginário irrealizável perante as circunstâncias. Seria assim,
um mundo sonhado, um mundo desejado, onde o homem fosse realmente humanizado,
sem violência, sem as atrocidades das guerras, sem as catástrofes sociais, sem
classes sociais tão divididas pelo poder e riqueza, sem faltar o pão, sem nada
de mais ou de menos. Um mundo na justa medida, com base na justiça humana e no
respeito ao próximo.
Seria possível o estabelecimento de um mundo
assim, de um pacto global sobre a vida e as relações sociais? Seria possível um
mundo prazeroso de ser vivido e uma vida prazerosa de existência? Logo se
imaginaria demasiado utópico para sequer imaginar sua possibilidade. Mas tudo é
possível. Se ao homem tudo parece ser possível, por que lhe seria impossível
pactuar a existência de um mundo com feição diferente dessa prevalecente?
Mas como seria um mundo assim, uma vida com
seres tão cordiais entre si que as desavenças seriam atitudes incomuns e sempre
repugnadas? Como seria viver num mundo tal, numa existência pacífica, fraterna,
irmanada na busca da realização de todos e na preservação de toda a vida? Como
seria a feição deste mundo, como seria o cotidiano das pessoas, como tudo
aconteceria? Talvez as respostas parecessem saídas da ficção, mas que vale a
pena imaginá-las como realidade.
A casa não precisa de muros nem cadeados. Janelas
são mantidas abertas para receber as manhãs e os clarões do sol e da lua. Os
portões e portas vivem sem chaves e sem jamais serem violados. Sobre as janelas
repousam vasos com flores e qualquer coisa pode ser esquecida no banco do
jardim que ali permanecerá até que seu dono retorne. Os roseirais vivem suas
primaveras sem que mãos maldosas cheguem para roubar seus perfumes.
Não há residências com muros altos nem
habitantes enclausurados por medo da violência. Os cães são apenas amigos do
homem e não inimigos de quaisquer estranhos. Não há o que temer porque nada que
seja da posse ou propriedade de um jamais será ameaçado pelo próximo. E assim
porque não há cobiça, ganância ou ação ilícita para se arvorar de qualquer bem
do semelhante.
Não há vizinho com inimizade com o outro, com
falsidades e aleivosias. Todos se servem naquilo que for necessário e
compartilham instantes de alentadas conversações. As amizades são verdadeiras,
as cordialidades contínuas e respeitosas. Os encontros são de alegrias e as
ausências, ainda que passageiras, sentidas e desejosas de retorno. E as perdas
pranteadas pelos olhos do coração.
As calçadas são lugares de reencontros após o
anoitecer. As cadeiras de balanço recebem seus donos para as brisas enluaradas,
para os aromas estrelados que chegam trazendo saudades e para alimentar o
pensamento que vai abrindo velhos baús para as boas recordações. E tudo na paz
e na calma do instante, sem temor da violência ou dos perigos humanos. E muitos
vão passando dando boa noite, e muitos vão seguindo nas suas andanças noturnas
sem medo dos labirintos das esquinas e da escuridão.
Ainda existem quintais e estes quase não
possuem limites, pois sem muros nem cercas com arames. As frutas do pomar são
divididas entre os moradores ao redor. As flores do jardim de um enfeitam os
jarros de outros. Num momento de enfermidade são muitos os que acorrem à
cabeceira levando sinceras palavras de carinho e conforto, bem como remédios
caseiros e orações.
A sociedade é divida apenas nos seus
afazeres, nas suas lides cotidianas. As escolhas políticas são feitas sem
ódios, ameaças ou vinganças. Os eleitos nem precisam ser pressionados para
cumprir o prometido, pois não há promessas onde tudo é feito pelo bem comum.
Também não há corrupção, improbidade ou qualquer descuido no trato da coisa
pública. Tudo é feito em nome da sociedade que se alicerça nas liberdades, na
plena garantia de direitos, na justiça e na igualdade. Uma sociedade que
reconhece e valoriza sua diversidade e não admite preconceito ou discriminação.
Será possível um mundo assim? A desumanização
e o individualismo da realidade respondem que não, mas a lógica da vida
responde que sim. Nada do que foi imaginado e citado é impossível ao homem.
Bastaria o seu desejo para que muitas transformações ocorressem. Portanto, cabe
ao homem semear o mundo que deseja habitar, ou mesmo para seus filhos e netos. Basta
que cuide do seu grão. E todos terão a merecida colheita.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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