Rangel Alves da Costa*
Nada mais forte, devastador e perigoso que o
fogo. Tronco ou graveto aceso e transformado em chama, eis a labareda que
espanta tudo.
A faísca, a quentura, o calor, a combustão, a
chama, o fogo. Ali num canto de chão, sobressaindo no meio tempo, logo a
fogueira será dona de tudo ao redor e ao longe se ouvirá seu rangido e se
sentirá o seu calor fumacento.
A labareda aumenta e sobe enquanto as chamas
devoram tudo ao redor. A noite se vê abrasada e agonizante, a brisa morre antes
mesmo de ultrapassar a montanha, o fogaréu crepita voraz e chama para a morte a
própria fumaça que sai de suas entranhas.
Como guerreiro da maldade, o fogo empunha sua
espada e sangra os mistérios da escuridão. Com lâmina cortante na boca, lanha o
silêncio do instante e faz surgir um bramido de dor. E que grito lancinante da
madeira, do tronco de pau, ao ser devorado, abrasado, tomado de dor.
Todos temem o fogo impiedoso, todos evitam a
fogueira feroz, todos desejam que tudo se transforme em cinzas. Mas mesmo as
cinzas escondem brasas debaixo do pó. Tantas vezes o fogo apaga e tudo ainda
fica queimando, correndo, destruindo por dentro.
O fogo nem sempre surge pelo desejo humano.
Nem todas as vezes a mão humana junta restos e lança faísca. Situações outras
fazem com que repentinamente surja já com a língua em chamas, crepitando,
lançando labaredas pelo ar.
São os inusitados da vida, os inesperados do
mundo, o que de repente surge sem que ninguém acredite que assim pudesse
acontecer. Florestas inteiras são devastadas assim, incêndios terríveis devoram
tudo sem que se tenha certeza de como tenha surgido a ponta de tamanha
destruição.
Bem assim no ser humano, na vida. O homem
caminha no seu outono de sempre, na sua tristeza de sempre, na sua angústia de
sempre. Frágil demais, ressequido por dentro, de repente se vê tomado por
labaredas terríveis. E tudo tão voraz que tende a destruí-lo em poucos
instantes.
As dores da vida são como gravetos que não
suportam qualquer calor, as perdas e desencontros na vida são como folhas secas
diante do sol escaldante, os sofrimentos da existência são como papéis chamuscados
em gás. Sequer precisam que alguém jogue um fósforo aceso ou aproxime um tição
de fogo.
O silêncio humano irrompe em grito, a gota de
lágrima se transforma em enxurrada, a dor íntima se torna o sofrimento de tudo.
Tudo tem o instante de irromper, de extravasar, de tornar-se realidade. E na
pessoa apenas triste o insuportável acontecendo. E acendendo a fogueira imensa,
faminta, devoradora.
O fogo agoniza e grita, a fogueira se
alastra, as labaredas tomam conta de tudo. Quem suporta sofrer em silêncio,
quem suposta chorar sempre a mesma lágrima de dor, quem é sempre suficiente
forte para sufocar o que não precisa ser extravasado? E como a calmaria não
veio, o vento bom da esperança não soprou, então a fogueira se apodera de todo
o ser.
Quando as fogueiras soltam suas línguas
medonhas, dificilmente outra força consegue conter o seu avanço. As chuvas
diminuem sua propagação, porém não dissipam sua força. E somente a ventania
para debelar a voracidade. A força do vento avança perante o fogo com tamanho
ímpeto que este acaba sem força de reação. E vai apagando.
Haveria uma ventania no ser humano que o
protegesse toda vez que se sinta tomado por uma fogueira? Certamente que não
precisa abrir a janela nem correr para o vento que sopra do lado de fora.
Éolo, o deus do vento, não surge diante do
ser humano como um sopro de salvação. É a própria pessoa que deve se sentir com
a força de um deus para afastar de si todas as fogueiras. E somente assim
repousar confortado pela brisa suave do anoitecer.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário