Rangel Alves da Costa*
A insanidade possui variantes que pode
interferir diversamente nos indivíduos afetados. Geralmente se tem a loucura
como correspondência a todo tipo de distúrbio mental. Contudo, errôneo pensar
assim, vez que o louco possui características próprias, bem assim com o
demente, o alucinado, o maluco, o insano, e assim por diante.
Pensar em loucura logo vem à mente aquele
indivíduo imprevisível, ora agindo mansamente ora num estado eufórico de
amedrontar. Ou mesmo aquele que prefere a reclusão e quando desponta é com caretas,
gestos e arremedos de fazer qualquer um recuar. Bem conhecido é o doido de
pedra ou o sujeito mentalmente afetado que se regozija em se manter à espreita
para atirar objetos em quem passar. Diz-se também daquele que age como
verdadeiro maluco, pois animadamente conversando sozinho. Mas quase todo mundo
é portador dessa maluquice intimista.
Para a maioria das pessoas, contudo, falar em
distúrbio mental se resume apenas falar em maluco e doido. E de forma
indistinta, sem qualquer diferenciação. Assim, basta uma ação estabanada de um
e o outro logo diz que deve estar maluco ou doido. Sicrano só pode estar
maluco, pois andar descalço por cima de espinho e da pedra não é coisa pra
gente boa da cabeça. Fulano deve tá é doido mesmo, pois ninguém bom do juízo
chupa melancia e depois bebe leite por cima. É pra estuporar!
Assim, o doido e o maluco vão tomando uma
mesma conotação, ainda que existam diferenças nítidas entre as duas situações
mentais. Os dois são anomalias psíquicas ou distúrbios mentais, mas o primeiro
possui maior abrangência e visibilidade que o segundo. Assim, doido é o
indivíduo portador de insanidade mental, que perdeu o tino ou o juízo, que não
faz uso da razão ou da consciência. Doido também é aquele visto no contexto
maior da loucura. Mas diz-se também daquele que age impensadamente, que num
instante está como um barco em calmaria e no instante seguinte mais parece um
furacão.
Já a maluquice é disposição mental muito mais
sociável que a doidice. Não deixa de ser um transtorno mental, porém menos inconsequente.
O maluco parece doido e age como tal de vez em quando, mas deste se diferencia
por ser menos afetado, menos contumaz nas atitudes insanas tomadas. O maluco é
conhecido também como desequilibrado mental, como personagem de ações
estapafúrdias. Maluco é, assim, aquele cuja ação afronta a realidade aceita por
todos.
Mas era Totonho e Leontina que conheciam bem
a plenitude da diferenciação entre a maluquice e a doidice. Mesmo sem
conhecerem absolutamente nada sobre problemas psiquiátricos, distúrbios
mentais, insanidades e deficiências de juízo, sabiam em demasia o que era
conviver com um doido, ou maluco. E assim porque o filho do casal era chamado
de maluco e também de doido. E até doido de pedra. Ou mesmo maluco doido, como
de vez em quando ecoava. E coisa pra se contar.
Ainda molecote o menino do casal fazia
estripulias de deixar qualquer um de cabelo em pé, até mesmo os pais se viam
aperreados diante das coisas do outro mundo que presenciavam. Apreciador do
barro da parede da tapera, comedor voraz de tufos da argila endurecida, porém
não o fazia do mesmo modo que os meninos sertanejos nas distrações para matar a
fome. Agia diferente, pois abocanhava também pedaços e mais pedaços do cipó que
prendia sua comida, deixando a morada cada vez mais tendente a desabar com a
primeira tempestade que caísse.
Quem já se viu não se contentar em comer barro
e agora se dana a roer cipó velho de parede, só deve tá maluco esse menino.
Dizia a mãe preocupada, sem saber o que fazer para manter o barraco em pé. Não,
ele deve é tá doido mesmo. Era o que ajuntava o pai. Não é coisa de maluco e
sim de doido mesmo mastigar e engolir até cascudo que encontre nos escondidos
das frestas. Se continuar assim logo vai ter que ser amarrado. Não bastasse o
sofrimento da pobreza, agora ter de se preocupar com esse comedor de barro,
cipó e besouro.
Depois passou a correr atrás de catenga pra
cortar o rabo e guardar numa cuia. Em seguida sentava em cima de uma pedra
grande e ficava falando sozinho, entristecido ou numa alegria descomunal.
Então, com as mãos cheias de pedras, começava a jogá-las adiante, nos bichos e
também em quem passasse. Ao observar o filho assim, todo desconcertado do
juízo, o pai dizia que tinha de dar um jeito naquela doidice. Mas a mãe, toda
pesarosa, reconhecia apenas a maluquice.
Já crescido e não tinha jeito de tomar prumo
de gente normal. De vez em quando passava o dia inteiro sentado na pedra
quente, falando sozinho. Noutras vezes se recolhia e permanecia num canto
aboiando sem parar. Eram os momentos de tristeza, de afetação mental lacrimosa.
Mas num rompante levantava e corria porta afora para mirar apaixonadamente o
clarão da lua. A lua cheia o transformava num ser tão aflito e agonizante que
mais parecia necessitado de voar naquela direção para arrefecer sua angústia.
E nestes momentos ninguém sabia se agia como
doido ou como maluco. Ou como maluco doido, pois foi assim que a rezadeira o
nomeou ao confirmar sua irremediável falta de juízo. E também de dizer que
somente as forças de Deus e da lua cheia para domar aquele destino desatinado.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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