Rangel Alves da Costa*
Não havia hora certa do dia, eis que a
qualquer instante e ele era avistado em cima da pedra mirando o horizonte. E
assim, silencioso e totalmente absorvido pela visão, permanecia alguns
instantes ou mesmo horas naquele mirante d’além.
Por vezes parecia uma estátua em cima daquele
rochedo. Não raro era avistado madrugada adentro, suportando o sol escaldante
ou mesmo debaixo do maior aguaceiro. Calor ou frio tanto fazia, pois até
parecia mesmo que se tornava insensível ao clima quanto estava ali.
Quem não o conhecia certamente que via com
desconfiança aquelas atitudes. Doido, maluco, sem um pingo de juízo, aluado ou
tudo mais que indicasse insanidade mental, de tudo ele já havia sido chamado. E
até gritavam na sua direção, e bem próximo para que ouvisse. Também jogavam
pedras e diziam asneiras e impropérios, mas nada o fazia sequer olhar de lado
ou mudar a direção da visão.
Já outros o conheciam bem e até compreendiam
aquele jeito diferente de ser. Contudo, também sabiam que normal ele não era,
não podia ser visto como tal, principalmente perante o meio em que vivia. Ora,
vivia ladeado de pessoas ignorantes, de pouco estudo e pouca compreensão da
realidade e da vida, voltadas ora para a vida dos outros ora para a máxima
demonstração de falta de afetos e sentimentos.
Vivia, pois, num lugar de povo rude,
ambicioso, fofoqueiro, mentiroso, falso, que desconhecia a existência do
próximo todas as vezes que objetivava lucro ou soma. Mas nem todos assim,
logicamente, pois também de uma boa parcela de humildes e prestativos,
acolhedores e se guiando ainda pelas velhas e boas lições do passado. E eram
estes que reconheciam no homem da pedra a virtude que faltava a todos.
E qual virtude era esta? Talvez a virtude do silêncio
ou da palavra certa e à pessoa certa. Talvez a virtude de saber ouvir e meditar
repetidamente antes de opinar qualquer coisa. Talvez a virtude da certeza de
compreender muito além que todos aqueles ao redor e ainda assim ser o mais
humilde. Talvez a virtude de querer encontrar respostas e não se cansar de ir
buscá-las ali na pedra.
Mas por que na pedra, em cima da pedra
grande, se o conhecimento pode ser adquirido nos livros, através do estudo e na
aprendizagem do mundo? Somente ele poderia responder por que optou pela pedra
como forma de busca de sabedoria, mas certamente muito vinha adquirindo desde
que foi ali avistado pela primeira vez. Era outra pessoa. Inegavelmente que a
pedra o havia transformado, porém de uma forma ainda incompreensível para a
maioria daqueles habitantes.
Eis que a mudança, ainda que refletisse nas
suas ações, era algo que enraizava interiormente, como grãos de sabedoria que
vão se solidificando na alma e no espírito. E por isso mesmo fazia os seus
brilhar tão fortemente enquanto mirava o horizonte em cima da pedra e a sua
face se tornar tão serena quando no convívio com os demais. Ademais, havia se
tornado uma espécie de sábio, de cujas lições alguns poucos procuravam se
alimentar.
Mas absolutamente nada diferente naquela
pessoa. Nada de sábio, de filósofo, de profeta ou de mestre. Apenas alguém que
subia à montanha para mirar o horizonte e refletir, meditar, pensar e indagar
sobre a realidade da vida, do mundo, dos seres existentes. E talvez esteja aí
sua grande diferença dos demais daquele lugar. Era o único que se preocupava
com o além das coisas, com as substâncias do mundo, com a essência da vida. E
também o único que procurava respostas para os tantos questionamentos da
existência.
Não era, pois, nenhum ser estranho numa
sociedade de iguais, mas simplesmente alguém que buscava no silêncio da pedra
avistar além-horizonte e se imaginar encontrando respostas para as
insignificâncias logo atrás de si. As pessoas não compreendiam suas razões, mas
a pedra sim. E por isso mesmo ela ansiosamente o esperava para ter no seu leito
aquela silenciosa sabedoria.
E também o chamava de sábio. Mas ele sequer
ouvia a voz da pedra, pois olhando ao longe para avistar e compreender a poesia
da revoada.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário