Rangel Alves da
Costa*
Conheci
alguém que convincentemente afirmava ter surgido a sabedoria através de
sementes, de grãos semeados numa terra fértil, e não de qualquer pessoa que
fosse espalhando formas superiores de conhecimento, ainda que este expressasse
o saber. E conhecimento significando a percepção sobre a vida, a existência, os
caminhos do homem e do mundo. Mas também como o dom de compreensão da realidade,
como o cinzel moldando o homem e o seu caráter.
Por consequência,
ainda dizia que quando aquele que hoje é conhecido como sábio, filósofo ou
erudito, obteve o dom da sabedoria, não chegou a tal aquisição de conhecimento
superior porque experimentara dos frutos oriundos daquelas sementes lançadas na
terra. E nem porque, vagando pelos campos, adormeceu debaixo de uma árvore
sombreada e o sopro suave do vento o envolveu com a imperceptível poeira da
terra semeada. A sabedoria lhe chegara por outros caminhos.
E contou o
porquê de haver chegado a tal conclusão. Disse-me que num tempo distante,
quando as terras eram sempre férteis, as sementes fartas e as semeaduras
brotando pelos campos e descampados, um velho viajante amaldiçoou a lavoura
verdejante de um rico senhor que lhe negara um pão. Este poderoso era a máxima
representação do poder opressor, escravocrata e tirano, com poderes sobre tudo
e todos, mesmo não ostentando uma coroa de rei ou agindo sobre o brasão de um
reinado.
Mandou
esturricar o amaldiçoador e jogar suas cinzas num canto qualquer. Eis que um
serviçal espalhou aquele estranho pó em meio a pés de feijão e milho. Dois dias
depois não havia mais uma planta em pé. Tudo definhou, secou e também
esturricou. Mas no seu lugar surgiu uma planta vistosa, diferente, mas sem ser
de imediata percepção por ninguém. Até que o poderoso, passeando pelos seus
campos, encontrou aquilo que lhe encheu de espanto.
Mandou
chamar os roceiros mais experientes, porém nenhum soube dizer que planta era
aquela que, já crescida, fazia pender frutos grandes, sedosos, verdadeiras
joias diante do olhar. Mandou chamar os velhos que viviam nas redondezas, porém
deles também não obteve qualquer resposta. Apenas um disse-lhe que aquela
árvore tão estranha lhe parecia um pé de arrependimento, que toda espécie já
desaparecera desde muito tempo, mas que lhe chegou à memória pelo que um dia
ouviu de seu avô. Mas disse que não tinha certeza. Mas a dúvida poderia ser
tirada pelo velho da montanha.
Com
efeito, no ponto mais alto da montanha mais alta morava um velho tido por todos
como louco. Desgostoso com o mundo e com o percurso do homem, o velho
recolhera-se ali disposto a nunca mais colocar os pés em meio às arrogâncias,
crueldades, mentiras, desumanidades, injustiças. Estava colhendo frutos para
sua dieta quando foi surpreendido com a chegada dos homens do poderoso senhor
lá debaixo. Não adiantou relutar, pois praticamente foi arrastado até ser
colocado diante daquela árvore.
Que árvore
é esta? Foi a pergunta feita pelo poderoso. Antes de responder, o velho pediu
para que trouxessem ao menos três daqueles frutos, pois precisava olhar de
perto suas aparências. Com os frutos à mão, logo cuidou de responder para
retornar ao seu lar na montanha. E disse: Vejo neste fruto um espelho, neste
outro encontro um arrependimento, e ainda neste outro o relógio do tempo.
Mesmo não
entendo nada da resposta do velho, o poderoso afirmou que deixasse aquilo pra
lá, vez que precisava mesmo era saber o nome daquela árvore. E ordenou que o
velho cuidasse logo de responder, sob pena de ser castigado. Então o velho
falou: Sim, aí está a árvore da sabedoria. Mas saiba que os seus frutos são
mais importantes que ela própria. E não queira saber por que.
O poderoso
se sentiu ameaçado e avançou de dedo em riste, exigindo que dissesse logo o que
era tão perigoso conhecer. Então ouviu o que jamais imaginava ouvir da boca de
um velho tido como louco: Porque essa árvore nasceu aqui e seus frutos vingaram
assim tão imponentes, suas sementes cairão e serão levadas pelo vento. E todos
conhecerão o que um dia foi feito aqui e a seu mando. No espelho vejo a morte,
no arrependimento vejo que será tarde demais para voltar atrás, e no relógio do
tempo a certeza que sua fama passará para a eternidade como aquele que fez
crescer a árvore da vida e dela surgir o fruto da sabedoria a partir de um ato
criminoso. As cinzas de sua vítima alimentaram o que está aí adiante, cujo
tronco está enraizado para o sempre.
E
acrescentou: Os frutos levarão ao conhecimento de todos o crime que praticou,
mas também todas as formas de conhecimento ao homem. Por isso mesmo que a sabedoria
nunca será tão útil àqueles que não saibam tirar dela o melhor proveito.
A reação
do poderoso foi tão apavorante que dali em diante tudo fez para arrancar aquela
árvore. Mas quanto mais derrubava mais ela crescia. E os frutos caídos logo
ressecavam e subiam aos ares dando conhecimento ao mundo do bem e do mal
existente em tudo.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário