Rangel Alves da Costa*
Desde criança que sempre tive certeza da
existência do bom velhinho e não é agora, só porque já passei dos cinquenta,
que vou desistir dessa crença. E ninguém, absolutamente ninguém, tem o direito
de dizer que estou errado. Quero que Papai Noel continue existindo, e pronto.
Além de Papai Noel, acredito em muitas outras
coisas que os renegados aos sonhos, ilusões e fantasias, há muito não
acreditam. Creio que determinados personagens de livros são tão ou mais reais
que muitas pessoas que andam por aí. E também sei que não são além do que
realmente são todas vezes que as encontro nas páginas envelhecidas, descansando
pelas estantes, quando as chamo para o mais belo dos diálogos: o da imaginação.
Não disse que quero a Papai Noel, mas apenas
que eu queria, simplesmente porque deixo às crianças esse desejo bonito, de
modo que aprendam a cultivar a esperança em ter e conquistar coisas boas. Já
pedi muito no meu tempo de quero e se não consegui mais foi porque pedi demais.
Naquele tempo eu quis apenas brinquedos e fiz até um estranho pedido: que
chovesse no meu sertão. Infelizmente não fui atendido.
Mas a minha criança cresceu e a que ainda
existe em mim de vez em quando dá vontade de arriscar um pedido ao bom velhinho.
E silenciosamente vai dizendo eu queria isso e aquilo, eu queria aquilo outro e
assim por diante. Contudo, a criança em mim está mais exigente, mais decidida,
e troca brinquedos por situações muito mais sérias e até difíceis de serem
atendidas pelo bom amigo.
Mas eu queria que o brinquedo antigo não
desaparecesse completamente, que aqueles carrinhos de madeira e o cavalo de pau
jamais deixassem de existir. Não que os brinquedos tecnológicos não sejam
bonitos e atrativos, mas nada comparável àqueles objetos de se brincar no meio
do tempo, no meio do mundo.
Eu queria que o menino pobre não tivesse de
colocar o sapatinho velho à janela na noite de natal – nem em qualquer outra
noite -, na esperança que o amanhecer lhe traga algo digno para ser usado. E
também que os céus sob marquises não sejam aqueles cujas estrelas costumam cair
para dizimar vidas inocentes abandonadas.
Eu queria que as ruas ainda fossem lugares
para brincadeiras, espaços seguros para a meninada correr, jogar bola,
arremessar bola de gude, brincar de se esconder, brincar de ciranda de roda,
rodar com mãos dadas debaixo do imenso luar. E como eu queria ainda ouvir que
se essa rua fosse minha eu mandava ladrilhar para o meu amor passar. E ouvir a
voz infantil perguntando como pode um peixe vivo viver fora de água fria.
Eu queria encontrar a meninada debruçada em
cadernos para desenhar castelos antigos, com reis, princesas, dragões, bruxas
malvadas, cavaleiros valentes e um pé de feijão que vai crescendo, crescendo,
crescendo. E também as mães e avós fazendo cafuné nos seus pequeninos e
contando histórias antigas, sempre belas e cativantes. E avistar os seres
encantados da natureza fazendo festa na floresta mágica da memória.
Eu queria que o mês de dezembro não se
transformasse cada vez mais num mês qualquer no calendário, que as festas de
fim de ano não signifiquem apenas comércio e troca de presentes e que o período
natalino jamais perdesse sua sensibilidade humanista. Pois acredito e vivo o
seu espírito, sinto a presença de coros angelicais e vejo brilhando aquela
estrela anunciando o nascimento do pobre menino na manjedoura.
Eu queria um mundo de paz. Não da paz de
paraíso, mas da paz possível de convivência sem tanta violência, sem tantas
dores e aflições. Um mundo onde ainda fosse possível manter portas e janelas
abertas, caminhar sem medo debaixo da lua e do sol, sentar na calçada para
receber o sopro confortante da brisa do anoitecer. Nada disso seria impossível
ao mundo, mas tão difícil de as pessoas acreditarem na sua possibilidade, e exatamente
pela sua impossibilidade de novamente se humanizar.
Mas eu queria Papai Noel, eu queria...
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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