SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

RECONSTRUIR O AMOR


Rangel Alves da Costa*


O amor não é fácil de ser reconstruído. Há quem afirme que jamais terá a mesma sustentação o amor que sofreu grande abalo. Os alicerces já não serão os mesmos, ainda que sejam cimentados com mais pujança.
É que de repente o encanto vira pranto, a felicidade se torna desilusão, e a magia amorosa apenas um sofrimento. As perdas são constantes e sempre dolorosas, mas quando se fala em amor perdido, terminado ou rompido, então a pessoa parece que vai se esvaindo, morrendo também.
E assim porque o verdadeiro amor causa sofrimento ao ser afetado. Quem ama faz do sentimento amoroso uma verdadeira seiva de sobrevivência, faz da sensação amorosa um sentido sempre generoso à vida. Alicerçado no coração, basta que os tremores dos desvãos da vida ameacem e todo parece querer sucumbir.
A verdade é que o verdadeiro amor sempre permanece. Quem ama não apaga o outro do sentimento nem da memória após uma briga, uma separação, um distanciamento, um término, um adeus. O outro parte, se vai, mas o amor permanece como algo muito mais forte que a pessoa ou a situação.
E o sofrimento causado pela separação se torna assim tão doloroso exatamente porque o amor permaneceu. Porque continua no coração, permanece na mente, ainda envolve os sentidos, é que faz agonizar por dentro. Ora, se o amor fosse embora com a partida do outro seria diferente, não restaria sofrimento algum. Mas também não seria amor.
Por isso mesmo que quem ama sofre, lamenta e chora sua perda. Tudo que o coração acostuma se torna de difícil separação. Sempre que a pessoa entrega parte de si, por amar e confiar, acaba sendo a própria pessoa que se doa. E no adeus sempre fica faltando aquela metade tão difícil de ser reconstruída.
Por mais que as relações modernas tornem volúveis e inconstantes os namoros e os relacionamentos, ainda existem aqueles que são verdadeiramente amorosos. E falar em amor verdadeiro implica muito mais no convívio de um para o outro que um tirando proveito sexual ou meramente prazeroso do outro.
O amor verdadeiro possui características fáceis de serem reconhecidas, ainda que muitos jamais tenham sequer se aproximado de suas feições. Coisas simples: o amor não é sexo, o amor não é estar nem ficar, o amor não é qualquer coisa que se encontra, usufrui e depois relega ao esquecimento. Nada disso é amor.
Olha a singeleza do amor: O amor é saudade. Sim, pois somente quem ama sente saudade. O amor é sensação de prazer íntimo, de encantamento no coração. O amor é o desejo do reencontro, é sentir na distância a proximidade do lábio e o brilho do olhar. O amor é ternura, é palavra singela que contente o outro, é toque de mão e promessa não revelada.
O amor é bilhete, é verso rimando amor com sabor, é aquela sensação pulsante diante do outro. Uma carícia, um abraço apertado, uma tal satisfação que a pessoa já não possa mais negar a si mesma: está amando. O amor é construção, não tem sede de sexo, não vai tirando a roupa nem procurando camisinha. Não. O amor sabe esperar, e espera cheio de contentamento, pois sabe que aquela grandeza não se vive em instantes.
Mas eis o problema: O que fazer quando alguém que ama assim se vê, pelas forças do destino, sem aquele de tanto amor? O que fazer quando a perda ou a separação são inevitáveis, quando já não há mais esperança de reencontro e refazimento? Reconstruir o amor, apenas isso.
Reconstruir o amor, apenas isso. Impossível que a pessoa retorne, que retome seu lugar junto aos braços e aos lábios. O sofrimento, a angústia, a saudade, tudo persistirá por muito tempo. E talvez nunca se dissipe de vez. Mas o amor, por ser tão belo, possui, ele próprio, seus instrumentos de reconstrução.
E a pessoa continuará amando sem sofrer. Como? A pessoa que partiu, por não poder voltar se transformou na cor mais bela do entardecer, na lua imensa, numa flor, no silêncio espiritual do alto da montanha, no pássaro que segue a revoada, na borboleta que pousa no umbral da janela.
Haverá coisa mais bela que isso? Tão belo quanto o amor. Assim, reconstruir o amor de uma pessoa a partir do amor por coisas singelas da vida é a forma mais eficiente de conservação e preservação dos sentimentos. Então a pessoa olha a nuvem que passa e vê quanta poesia pode escrever naquela folha em branco, mira a grandeza da lua cheia e percebe o quanto de belo a vida tem a oferecer.
E assim vai reconstruindo seu amor. A partir do amor a outros amores que nem sempre são perceptíveis aos nossos sentidos: a chuva caindo, o nascer do sol, os encantos da vida.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: