AMOR: EGOÍSMO A DOIS
Rangel Alves da Costa*
A frase é de Madame de Stael (Anne-Louise Germaine Necker), romancista e ensaísta francesa falecida em 1817: “O amor é um egoísmo a dois”. Dizer mais o quê? Ora, simplesmente dizer que tal egoísmo muitas vezes é de um com relação ao outro, pois o sentimento de posse deixa o amado quase sem existência própria.
Mas não seria contraditório dizer que o amor é um egoísmo a dois, se o próprio sentido do egoísmo é centralizar tudo em uma só pessoa? Assim, levada a frase ao pé da letra, não haveria compartilhamento no amor, pois na relação o desejo, o querer e a paixão seria exclusividade de apenas um. E o outro?
Talvez o conceito de egoísmo sirva para clarificar essa questão. Segundo os dicionaristas, egoísmo é o amor exclusivo de sua pessoa e de seus interesses; é a dedicação excessiva que uma pessoa tem por si própria, esquecendo-se de considerar as necessidades e o bem dos outros; é o exclusivismo de quem toma a si próprio como referência para tudo; é a tendência presente nos seres humanos de levar em conta exclusivamente os próprios interesses em detrimento dos outros.
No amor, o egoísmo pressupõe uma paixão tão violenta que não deixa espaço para o outro manifestar sua correspondência ou contradição, vez que o egoísta procura se satisfazer em apenas ter aquilo como posse, como ser que lhe pertence e tanto faz que sinta a mesma paixão ou não.
O que importa é fazer desse amor um objeto de sobrevivência própria, tendo o outro apenas como paisagem para exposição dos instintos, e pronto, sem se ater ao fato de que esse impulso desenfreado se parte como vidraça assim que o outro diz não. E logo virá esse não porque dificilmente alguém se contenta em ser objeto eternamente passivo numa relação.
Esse egoísmo no amor também provocará a inevitável ruptura da relação pela disputa de forças, na hipótese de que um, ainda que fragilmente, reconheça a existência do outro. Isso ocorrerá porque haverá o risco de, ao invés de apenas um querer ser dono do outro, os dois buscarem ao mesmo tempo tomar para si todas as forças do outro, impor o ritmo da relação, fazer com que o outro se amolde aos seus anseios e desejos.
E o pior é que muitas vezes a imposição que parte de um ou de outro não é nem fruto de verdadeiro amor, mas apenas como uma forma de dizer que comanda a relação, de tentar submeter o parceiro a seus caprichos ou simplesmente tornar a vida a dois num jogo de subserviência, onde uma amante se submete sempre aos desejos cada vez mais impositivos do amado, ou senhor do coração e vida.
Contudo, ao dizer do amor como um egoísmo a dois, talvez Madame de Stael tenha objetivado mostrar o lado irrenunciável dos amantes numa verdadeira relação amorosa. Neste sentido, o egoísmo seria a absoluta cumplicidade entre os dois; o poder de sobressair-se a tudo e tudo vencer, pois máximo e aparentemente indestrutível, que a relação passa a ter perante os outros; a expressão maior dos interesses maiores de duas pessoas, tornados mais fortes na relação, e que por isso mesmo absolutamente senhores diante de tudo e de todos.
Madame de Stael preconiza a existência de um amor incondicional, onde os amantes unem os seus mais puros sentimentos para dar consistência e invulnerabilidade à relação. Mas será que ainda há espaço para uma relação tão pautada na compreensividade e cumplicidade, na mutualidade e aceitação ao que o outro traz e impõe como suporte amoroso, na junção do que se tenha como melhor para se ter um relacionamento estável e duradouro?
A frase da romancista não deixa de ter seu cunho de verdade, mas apenas uma veracidade poética e utópica, pois esse lado positivo do egoísmo amoroso, procurando vencer todas as barreiras para se impor sempre mais e diante de tudo, é meramente shakespeariano e literário. Na vida real, onde cada um procura mostrar que tem mais força perante o outro, tal egoísmo inevitavelmente produzirá o efeito destrutivo de dois objetos que não se cansam até que um derrube o outro sobre a terra e diga que é seu dono.
Nessas condições, não há egoísmo a dois que não se transforme numa obediência servil que durará até quando aquele subjugado for libertado das garras do outro.
Poeta e cronista
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