SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 6 de junho de 2011

TEMPESTADE - 28 (Conto)

TEMPESTADE – 28

                          Rangel Alves da Costa*


Acordando da bebedeira, logicamente que Manuela ainda não havia despertado suficientemente para saber o que lhe tinha acontecido, onde e com quem estava. De início não reconheceu ninguém, fato compreensível diante daquela situação e também da intensa escuridão que fazia.
“Manu, sou eu, sua amiga De Lourdes e você está em casa, agora se acalme um pouco. Olhe ali, aquela é minha mãe, aquele é o meu pai e esse aqui é Teté. Você lembra da gente não lembra?”, falava a solteirona, quando foi interrompida pela visitante:
“Mas o que estou fazendo aqui na casa de vocês. Eu estava lá em casa esperando a chuva passar pra minha filhinha Marilda chegar. Ela já chegou? Chame ela pra mim que eu quero dar um abraço nela, chame”. “Mas ela não está aqui. Onde ela estiver deve estar muito bem, mas por enquanto ainda não chegou”, confirmou De Lourdes.
“Marilda, sua filha tá lá na escola ajudando a salvar a professorinha Suniá. A professorinha tá muito doente, tá em tempo de morrer, se eu não salvar a vida dela com um remédio que minha mãe vai fazer. Não vai mãe?”. E Sinhá Culó se levantou assustada da poltrona:
“Aquela mocinha tá adoentada? Pruque num me disse logo Teté, essas coisa num pode esperar não, e vai que é coisa grave demai, coisa que a gente num possa dar jeito. Mai o que ela tem mermo meu fio?”. E o maluquinho respondeu, puxando a mãe devagar pelo braço, em direção à cozinha:
“Ela tá com a doença da mudança de tempo. O tempo quando muda desse jeito traz muita coisas ruim na água, no vento, em tudo. E quem é fraquinha como a professorinha é igual uma porta aberta pra tudo que é ruim querer entrar. Mas essas doenças bem que poderiam escolher outras pessoas. Tem tanta gente ruim precisando adoecer pra ver se aprende. Só sei que ela tá lá toda moída cheia de dor, com febre de acender bombinha e variano, dizendo um monte de besteira. Mas uma coisa ela falou a verdade, porque os menino disseram que ela não parava de chamar pelo nome daquele rapazinho que vai ser padre...”.
“O seminarista Tristão, deve ser ele mesmo. Mas que piteuzinho aquele rapazinho, bom de se colocar no colo e fazer cafuné, depois beijar, beijar, além de fazer outras coisas. Quer dizer, beijar mais, muito mais, e como deve ser bom tascar um beijo guloso naquela boquinha sagrada...”. Era De Lourdes com suas viagens de arranjar homem de todo jeito, e por isso mesmo seu pai partiu pra seu lado com o chicote de couro cru e falou, colocando o arreio bem na ponta de seu nariz:
“Abra a boca mai uma vez que eu lanho essa cara safada todinha. Mai quem já se viu uma muié veia só pensá em homem, em macho, em tá beijando? Faça como Manuela, arranje um e se case que ao meno vai deixá a gente em paz. Mai se falá essa coisa de novo já sabe que vai tomar num lobo, ouviu bem sua desnaturada?”.
Ao ouvir tais palavras, quando o velho Timbé afirmava que ela era bem casada, não deu outra, pois Manuela abriu num berreiro que assustou todo mundo, fazendo até o maluquinho voltar da cozinha para ver o que estava acontecendo. Chorava, se lamuriava, se penitenciava toda e ao mesmo tempo falava:
“Desgraçada de mim, uma abandonada, uma largada na rua da amargura é isso que sou. Menandro não teve o que fazer e arrumou mala e cuia e saiu de casa dizendo que tava tudo acabado. Ainda teve a cara de pau de dizer em minha frente que ia morar com outra que ele tinha arrumado. Hoje sou uma mulher totalmente abandonada, sem felicidade, sem homem e sem...”.
“E sem casa, também sem casa...”, Teté falou sem pensar nas consequencias dessa simples, porém verdadeira informação. Contudo, o pai se adiantou, tentando amenizar a situação, e disse: “Ele disse que tomem sem casa, sem a sua casa, poi está aqui na nossa casa. Foi isso que ele quis dizer. Não foi Teté?”.
“Não pai, eu disse que ela está sem casa mesmo, sem ter mais onde morar, porque a casa dela não agüentou o atropelo da chuva e caiu, desmoronou todinha, está lá espalhada no chão, feito um vidro que cai e se lasca todinho...”. O maluquinho não admitia mentira, por isso quis esclarecer logo a questão.
E ao ouvir o relato Manuela deu um grito e caiu novamente desmaiada. “Tá veno o que vosmicê fez Teté com essa mania de num querer ajeitá as coisa. E agora, o que vamo fazê adespoi que ela se alevantá de novo?”.
“Basta dizer a verdade, nada mais que isso. Mais cedo ou mais tarde ela não ia que saber mesmo? Então disse logo e tá acabado. E diga a ela que nem adianta ir lá procurar nada porque não sobrou nadica de nada, e o que deve ainda restar já se misturou ao lamaçal e a essa hora já deve tá tudo nas correnteza. Ah, tem uma coisa que eu achei ainda viva no meio daquilo tudo e trouxe comigo. Olhe ali”. E apontou para um canto do sofá, onde uma sombra dizia que ali estava um objeto.
De Lourdes correu e levantou o objeto de plástico, coberto por uns panos molhados. E falou, quase chorando:
“É uma boneca, uma bonequinha que talvez seja de sua filhinha. Foi só isso que restou Teté? Ai meu Deus, não bastasse esse tormento todo vindo com esse temporal que não passa e ainda por cima aparecem essas coisas pra comer ainda mais o juízo da gente. Se a casa dela caiu mesmo como Teté tá dizendo aí é que o bicho vai pegar. Onde essa pobre de Deus vai se arranjar agora, onde vai viver com sua filhinha. Essa hora a bichinha nem sabe de nada, arriscando a chuva parar e ela querer voltar pra casa. E o que vai encontrar, senão escombros, lama, sujeira, uma vida toda desfeita, um lar que para o bem ou para o mal era onde viviam...”.
De cabeça baixa, com voz tremulada, em tom sofrido, o velho Timbé falou:
“No meio do tempo é que essa duas criatura num haverá de ficá. Posso ser pobre inté dizer chega, mai uma coisa aprendi na vida que é num desampará ninguém, deixá de dá a mão e guarida a que tiver precisano. Ademai essa aí tenho cuma minha fia fosse, poi fia do meu grande amigo Dandão. Cuma eu ia viver daqui pa despoi se deixasse uma fia e uma neta de um amigo ao desalento, cumpletamente perdida sem nada na vida, na rua da amargura?”.
“Só quero saber onde vai caber mais dois aqui?”, gritou Sinhá Culó, ao que o esposo respondeu: “Se a gente faz por amor mostra que o coração é grande. E se o coração é grande não haverá de ter probema”.

                                                        continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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