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sexta-feira, 24 de junho de 2011

“VENHA PRA MIM PASSARIM” (Crônica)

“VENHA PRA MIM PASSARIM”

                      Rangel Alves da Costa*


Se eu fosse bicho do mato, vivendo solto na natureza, debaixo de pau e toco, cavando qualquer lugar, pelas brenhas e buracos, seria bicho vadio, bicho no cio, bicho danado de se domar.
Se eu fosse assim desse jeito, quase uma fera perdida, não sei nem o que fazer para agradar aos olhos de minha amada que avoa.
Dói em mim ser assim, bicho ruim, se minha amada é Passarim, passando por mim suave, com suas asas em véu, rumando pertinho do céu, sem saber dessa paixão.
Passarim passa e nem olha pra mim, dá voltas e volta ao galho e quando mais eu me espalho, zanzando, fustigando, bagunçando, querendo aparecer, mas ela canta o seu canto, melodia da floresta, que faz aumentar a paixão.
Faz assim não Passarim, se passar olhe pra mim, perdoe esse meu jeito de ser, essa loucura toda, vontade de aparecer, só pra dizer que existo, como queria dizer que amo e do chão alçar o voo, direto ao seu coração, para a minha felicidade, pois não sou tão mal assim, também sei amar de verdade.
Se você pousasse aqui, nesse mato mais rasteiro, pertinho de onde eu estou, pediria permissão para contar um segredo, para dizer o que ninguém sabe e você me perdoar ou quem sabe relevar essa indiferença que existe, tudo que me deixa mais triste sem você a me olhar.
Quando você voa pertinho, passando de galho em galho, subindo em cada árvore, numa liberdade de escolher onde ficar, fico imaginando a graça de poder subir pelo ar e procurar o que quiser, no lugar que bem quiser, para fazer seu ninho, bem longe desses perigos e com a paz que tanto merece.
Sei que faz tudo sozinha, buscando garrancho e fiapo, algodão e capim seco, folha macia e papel, tudo para o seu ninho, para o lar que é o cantinho mais quente possa existir, mais amado desse mundo e cheia de esperança de um dia piar ali um Passarimzim bem criança.
Queria tanto ajudar Passarim, queria estar ao seu lado para tudo ser mais fácil, para unir nossas esperanças e fazer dessa natureza um imenso lar e não seria mais assim, eu aqui e você lá, tudo tão longe e perto, nessa vida de deserto e de solidão sem fim.
Mas sei o quanto é difícil me aceitar, quando ninguém quer me enxergar, quando só tenho a me olhar o meu olho interior, que de mim nunca afastou porque sabe que no mundo não há ninguém mais bondoso, honesto e trabalhador, tão romântico e sonhador, o sonhador de um grande amor.
E todos me enxergam assim porque quero ser diferente, não ando atrás dessa gente, não dou o braço a torcer, não me vendo nem me troco, sou o que desejo ser, apenas o que merecer ser feliz comigo mesmo.
O ódio que nasceu na maioria, fez surgir uma covardia dizendo que nem sou daqui, que pareço não existir, que nada sou para eles. E por não me defender, não querer com eles combater, faz crescer o rancor e disso criou um pavor que me cerca o dia a dia, tornando o meu viver apenas em agonia.
Sou diferente sim, pois mostro ser o que não sou, ser feroz, muito valente, traiçoeiro e faminto, mas tudo isso logo desminto porque sou igual a passarinho, dos bichos o mais mansinho, da natureza o mais santinho. Mas sozinho, muito, muito sozinho.
A solidão deixa a gente feio, Passarim. A tristeza, a desilusão, o abandono, a desesperança, deixa a gente muito mais feio, Passarim. Sou horrível, sou tudo isso que falam de mim porque não encontro motivos para alegrias, cantos, correrias, brincadeiras, felicidades.
Por isso sou assim, sou tudo isso que falam de mim: feio, arrogante, violento, traiçoeiro, faminto, voraz. A solidão e o abandono deixam a gente assim, Passarim.
Mas se você olhar pra mim, calmamente olhar pra mim, verá que sou também Passarim. Tenho asas, tenho bico, tenho cores, tenho canto, tenho esperança. Só não tenho ninho. Vivo sozinho e não tenho ninho.
Vou fazer uma coisa que nunca mais eu fiz. Vou voar, um voo bonito e lá de cima cantar um canto de passarinho. Se você gostar vá cantar comigo, senão continue me enxergando aqui embaixo, com esse meu jeito triste, feio, esquisito.
Só uma coisa ninguém me tira, que é esse amor Passarim.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com   

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