SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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quinta-feira, 16 de junho de 2011

TEMPESTADE - 38 (Conto)

TEMPESTADE – 38

                          Rangel Alves da Costa*


Se o baque de Antonieta caindo por cima do moribundo causou maiores consequencias internas ninguém ainda sabia, mas ouviu-se um gemido rouco e dolorido e depois o silêncio total. No deus-nos-acuda, levantaram a destrambelhada agressora e a fizeram sair da sacristia sem que nem pudesse olhar pra trás.
Enquanto duas seguravam cuidadosamente o coitado do desfalecido seminarista nos braços, outras duas levantavam e forravam novamente a cama, agora sustentada por banquinhos e outros objetos que foram sendo mais facilmente encontrados.
Instantes após e todas, menos logicamente a desterrada Antonieta que agora se punha perto da luz de uma vela embaixo do altar, estavam ao redor do leito no maior alvoroço, na maior lamuriação, desesperadas porque sabiam que tinham de urgentemente fazer alguma coisa e não sabiam por onde começar. Afinal, tudo dependia de remédio, mas ninguém tinha sequer um comprimido na bolsa ou bolso.
Minervina pediu novamente que tentassem, fosse como fosse abrir todos aqueles armários e procurar em cada cantinho se havia alguma coisa engarrafada, um vidro de remédio, uma caixa de comprimidos, uma garrafa de uísque, de vinho ou de aguardente. Até água benta seria bem vinda diante daquela situação.
Os panos secos que passavam sobre a testa e a face do rapaz logo ficavam molhados, cheios de um suor frio e pegajoso. Os cabelos, lisos de seguir o vento, pareciam saídos debaixo da chuva de tão molhados. O corpo quente, escaldado, encimava-se por gotas de suor que começavam a escorrer e umedecer os lençóis.
E de repente, agitando-se um pouco mais e contorcendo-se por inteiro, a boca de Tristão fazia esforços para se abrir e pronunciar verdades que já não eram completamente desconhecidas:
“Suniá, Suniá, onde você está meu amor?”, “Não morra Suniá, não morra que já estou indo levar a cura para o seu corpo e para nossa vida”, “Não vá Suniá, me espere Suniá, não querem me deixar passar mas eu vou, eu vou de qualquer jeito, eu vou...”, “Suniá, onde está o caminho Suniá, perdi a estrada Suniá, está tudo muito longe, muito escuro, só vejo, só vejo...”.
E não só Filó, mas também Minervina e Rosinha começaram a chorar convulsivamente ao ouvir tais palavras. Socorro pediu que se acalmassem e começou a falar pertinho do ouvido dele, enquanto passava panos pelo seu rosto: “Que belas palavras rapazinho, quanto e tão verdadeiro amor demonstra com tais confissões. Quem dera que estivesse com saúde e as coisas boas que disse pudessem ser ouvidas pela sua professorinha. Mas vocês vão ficar logo bons, totalmente recuperados, pois Deus está zelando pelos seus destinos. E para que tudo dê certo vocês logo logo ficarão completamente sadios, com fé em Deus!...”.
Custódia se aproximou tristonha e disse: “Depois até que pode ser, mas vamos parar de discutir, de brigar, de trocar acusações por enquanto. Vocês hão de convir que esse momento é melindroso demais, é causa de vida ou morte, e vocês não podem esquecer que quem tá passando por esse sofrimento todo é o nosso professor de doutrinamento religioso, o seminarista Tristão. Por isso é que eu peço que quem sabe alguma reza bem forte, daquelas que nossas mães, avós e bisavós ensinavam, que comece a rezar enquanto a gente vê se arranja alguma medicação pra ele. Quem sabe de alguma reza forte?”.
E, ainda chorosa, Rosinha disse que conhecia uma reza muito lembrada por sua mãe quando os filhos caíam na cama adoentados. E começou seu lamento cantado:

“Bendito, louvado seja / a Paixão do Redentor,
Que por nós sofreu martírios, / morreu por nosso amor!
Os céus cantam a vitória / de nosso Senhor Jesus;
Cantemos também na terra / louvores à Santa Cruz!
Humildes e confiantes / levemos a nossa cruz;
Seguindo sublime exemplo / de nosso Senhor Jesus!
Cordeiro imaculado, por todos morreu Jesus, remido as nossas almas, é Rei pela sua cruz.
É arma em qualquer perigo, é raio de eterna luz, bandeira vitoriosa, o santo sinal da cruz.
Ao povo aqui reunido / dai graças, perdão e luz;
Salvai-nos ó Deus clemente, / em nome da Santa Cruz!
Bendito, louvado seja / a Paixão do Redentor,
Que por nós sofreu martírios, / morreu por nosso amor!
Os céus cantam a vitória / de nosso Senhor Jesus;
Cantemos também na terra / louvores à Santa Cruz!
Humildes e confiantes / levemos a nossa cruz;
Seguindo sublime exemplo / de nosso Senhor Jesus!
Cordeiro imaculado, por todos morreu Jesus, remido as nossas almas, é Rei pela sua cruz.
É arma em qualquer perigo, é raio de eterna luz, bandeira vitoriosa, o santo sinal da cruz.
Ao povo aqui reunido / daí graças, perdão e luz;
Salvai-nos ó Deus clemente, / em nome da Santa Cruz!”.

Com a voz embargada, num pranto que não podia ser mais escondido, Rosinha foi abraçada por Minervina, que também chorava de soluçar. Mas ainda esta disse que no momento urgia também que lembrassem da oração dos enfermos. E quase não consegue dizê-la completamente:
“Onipotente e benigníssimo Deus, que sois a salvação eterna de todos os que crêem em Vós, escutai piedoso as orações que vos dirigimos por este nosso irmão enfermo, vosso servo. Afastai dele tudo quanto o aflige e fazei, em vossa misericórdia, que todos os remédios aplicados ao seu mal lhe sejam salutares. Em Vós, único autor e conservador da vida e árbitro supremo de nossa sorte, pomos toda a nossa confiança; e, embora nos esforcemos, por todos os meios possíveis, por lhe restabelecer a saúde, todavia, é de Vós só que tudo esperamos. Ouvi, Senhor, nossas preces e as suas, para que alegres possamos com ele prestar-vos a homenagem de nosso reconhecimento. O Senhor Jesus Cristo esteja do seu lado para defendê-lo, dentro de você para conservá-lo, diante de você para conduzi-lo, atrás de você para guardá-lo, acima de você para abençoá-lo, Ele que vive e reina pelos séculos dos séculos. Amém”.
Mas assim que terminou a oração Minervina soltou um grito: “Roubaram o caderninho misterioso que estava comigo!...”.

                                                  continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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