SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 8 de junho de 2011

TEMPESTADE - 30 (Conto)

TEMPESTADE – 30

                          Rangel Alves da Costa*


De Lourdes já ia dizer que por um homem fazia tudo e se nenhum problema concordava em se arriscar saindo nuazinha lá fora e debaixo daquela acabação toda, mas foi interrompida, não só ela como os demais, pelo velho Timbé que estava mais que irritado com essa história toda. E disse atormentado, espumando, raivoso:
“Num quero mai ouvir aqui esse tipo de conveusa. Quem já se viu uma pouca vergonha dessa dento duma casa de respeito, de famia. Só num lhe digo umas duas Culó e num jogo o arreio no seu lombo tomem pruque inda acho que vosmicê da ficano maluca pela idade. Mai se abri a boca pa dizer mai um tantinho assim vai se ver comigo. E vosmicê Teté trate logo de arranjar outro jeito pra sua maluquice desinventá essa chuva. E fique sabeno que noi temo aina muito que assuntá sobre isso. Meu fio num era assim não, mai inté parece que tá de peda, tá doido varrido mermo. E quanto à vosmicê sua sonsa, vá lá pa sala agorinha mermo cuidar de Manu. Acho que vosmicê tinha mai era de se vortá pa igreja, ser uma beata decente e num tá com esse pensamento de homi na cabeça. Se Deus quis assim é pruque certamente tinha lá sua razão. E agora vamo logo arrumá esse remédio da mocinha. E vamo fazê dobrado, que é pro mode Manu tomem precisá”.
“É mesmo, vamos logo que tenho que voltar já já e com a xaropada. Mas é tanto mato ali que nem sei pra que é que serve. Pai, o senhor que lembra de tudinho, então diga quais são as plantas de remédio que tem lá que vou buscar agora mesmo”, disse o maluquinho, esperando o pai falar sobre as ervas medicinais.
Não só o velho Timbé como Sinhá Culó conheciam tudo sobre as plantas sertanejas usadas para fins medicinais. Não poderia ser considerado verdadeiro agrestino aquele que não soubesse que numerosas plantas possuem propriedades curativas e cada pedacinho delas, seja o talo, a casca, as folhas, as sementes e as raízes, bem como flores, frutos e brotos, são formidáveis para a feitura de infusões de eficácia altamente comprovada.
Já dizia um viajante que das ervas são feitos chás e cozimentos para beber, em banhos ou para fazer xaropes, cataplasmas e ungüentos. Por isso mesmo é que nas regiões mais pobres são usadas diversas plantas silvestres para se debelar doenças que vão surgindo da terra como o próprio homem.
Não é raro que a farmácia do pobre esteja tão sortida segundo o número de plantas medicinais que ele cultiva nos seus quintais, incluindo, por exemplo, a alfazema, o mastruz, a macela, a arruda, o manjericão, o camará, o fedegosos, o poejo, a hortelã, o boldo. Utilizam também certas partes das plantas, como as folhas do mamoeiro e os cabelos do milho ainda verdejante no pasto. Uma vez retirado o cabelo do milho fresquinho, nascido de pouco tempo, amarelecido e molinho, parecendo cabelo de criança loura, basta jogar numa panela com um pouco de água e pronto, pois depois de fervido e amornado não haverá chá melhor para muitas doenças.
Os mais antigos sabiam, por exemplo, que o chá com as sementes do açafrão não tem igual para crises asmáticas; que o sumo da babosa é o remédio certo para queimaduras; que o capim santo fervido é curativo para todas as doenças, especialmente febre e gripe; que o chá de erva cidreira é tiro e queda para gripe, febre, cólica uterina, dor estomacal, disenteria e muitas outras doenças.
Desse modo, o velho Timbé mandou que o filho fosse lá fora procurar erva cidreira, mastruz, hortelã, fedegoso e macela. Essas plantas seriam mais que suficientes para que Sinhá Culó providenciasse a feitura do melhor remédio. O problema é que diziam que a pessoa que tomava parecia que ficava ainda mais doente. E isso porque o impacto do chá no organismo era tamanho que parecia que a pessoa ia morrer mesmo, diante dos calafrios, suores e tremores, num enfraquecimento que muitos chegavam a desmaiar. Somente depois de alguns instantes, quando os poderes curativos já se sobrepunham à doença, é que a pessoa ia voltando a ter um certo equilíbrio e, aos poucos, a recuperação total.
E assim, cuidadosamente Teté abriu a porta e se encaminhou para o quintal. Talvez aquele quintal fosse um dos poucos ainda existentes na cidade que mantinha pelos seus cantos um verdadeiro arsenal de ervas medicinais, de plantas pequenas e grandes para os mais diversos fins. Esse local era bem maior que a própria casa, por isso mesmo que não seria fácil do maluquinho encontrar tudo com a urgência que queria.
Mas enquanto ia de lado a outro enchendo as mãos de raízes e folhas, se espantou porque achava que uma voz lhe falava: “Esse é o remédio para o corpo. E o remédio para o coração?”.

                                                      continua...




Poeta e cronista
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