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sábado, 18 de junho de 2011

MENINO VIAJANTE (Crônica)

MENINO VIAJANTE

                       Rangel Alves da Costa*


Nasci num lugar de extremos, pois Poço Redondo territorialmente é o maior município de Sergipe, mas também até bem pouco tempo ostentava ser o de maior índice de analfabetos do estado. Agora imaginem o que a maioria das pessoas pensava ao ver um menino sentado num banco da praça lendo um livro grosso, que para muitos parecia coisa do outro mundo.
Logicamente que isso já faz mais de trinta anos, num tempo que sair daquele pacato modo de vida somente através da leitura. Lembro que as leituras dos adultos, passadas de mão em mão – e poucas mãos – se resumiam às revistas Placar, Sétimo Céu e aqueles livretos de faroeste sempre escritos por Marcial Lafuente Estefania.
Mas nada disso alegrava o meu espírito inquieto, sempre procurando algo diferente para ler e conhecer outros mundos e culturas. Contudo uma coisa essas revistas que circulavam à época trouxeram de bom, mais precisamente nas suas páginas comerciais que traziam imensa lista de livros para todos os gostos, principalmente os da coleção Ediouro.
Com condições para tal, vez que sabia que os meus pais não iriam deixar de pagar nos correios as encomendas dos livros, comecei a fazer pedidos e mais pedidos. De repente estava lendo, ainda que muitas vezes em edições compactas, grandes clássicos da literatura universal.
Dessa leva já tinha comigo A Cabana do Pai Tomás, O Morro dos Ventos Uivantes, Bem Hur, Moby Dick, Os Três Mosqueteiros, A Tulipa Negra, mas também Éramos Seis, Meu Pé de laranja Lima, Rosinha Minha Canoa, O Cortiço, Casa de Pensão, O Sertanejo, A Normalista, dentre muitos outros.
Ao me ver lendo esses livros, tão interessado por um mundo de porta de papel, as pessoas certamente que olhavam desconfiadas. Aos cochichos iam repassando que aquele menino não duraria muito e estaria maluquinho, doido varrido, pois só faltava falar com aquele objeto tão estranho, que era o livro. E quando puseram o olhar e me viram lendo E o Vento Levou..., então não tiveram mais dúvida, o menino de Alcino e Peta está ficando com o juízo fraco.
Esse romance dramático, obra-prima de Margaret Mitchell, foi o livro que verdadeiramente me despertou grande fôlego para a leitura. E quando passavam por mim na pracinha chegavam mais perto e perguntavam como eu suportava estar passando página e mais página daquilo que parecia não acabar mais. E eu sempre respondia que do mesmo modo que ali havia uma vida com coisas boas e ruins, no livro também existiam pessoas com suas alegrias e tristezas. Muitas vezes seria melhor ter ficado em silêncio.
Depois de Scarlett O’Hara, Rett Butler, Melanie e os outros, comecei a fazer outras viagens inesquecíveis. Não lembro bem como, pois algumas vezes comprava na capital e noutras fazia pedido, mas às minhas mãos chegaram Pássaros Feridos, romance de Colleen McCullough; O Velho e o Mar, de Hemingway; A Boa Terra, de Pearl S. Buck; O Semeador no Campo de Centeio, J. D. Salinger; As Vinhas da Ira, de John Steinbeck; Enterrem meu Coração na Curva do Rio, de Dee Brown, e muitas outras obras geniais. Mas para espanto de meus pais, também a trilogia Sexus, Nexus e Plexus, de Henry Miller.
Contudo, marcante mesmo foi quando comecei a ler Jorge Amado. Certo dia o meu pai comprou as obras completas, numa linda coleção vermelha da Record, e daí em diante me transformei num apaixonado pelo mundo amadiano dos candomblés e orixás, das terras cacaueiras e seus coronéis, dos bordéis e dos jagunços armando tocaias pelas curvas das estradas, das múltiplas realidades cercando os sertões que eram descobertos pelas Tereza Batistas, da sensualidade safada de Dona Flor e da beleza rústica e feminina de Gabriela, aquela mesma do cravo e da canela e subindo no telhado para desespero de Nacib.
Já li mais, hoje leio apenas o possível. Já li muito, hoje faço outro percurso pela literatura, pois invento versos de lua e flor e faço nascer personagens que tomaram conta completamente de minha vida. Acordo e deito com eles, com o rei menino, o menino que nasceu verde, com a prostituta Soniele, com aqueles que vivem em Ilha das Flores e muitos outros lugares que inventei para um dia ser lido.
Naqueles tempos os meus conterrâneos se espantavam com o que eu lia, e o que dirão agora se também crio mundos e muitas vezes refletindo até suas feições e seus modos de viver? Um dia vão ler um livro meu e perguntar como consegui colocá-los ali dentro, com casa, vida e tudo.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com    

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