SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 12 de junho de 2011

MINHA NAMORADA (Crônica)

MINHA NAMORADA

                     Rangel Alves da Costa*


Minha namorada não existe mais. Existe em qualquer lugar, em todo lugar, mas também não existe mais.
Minha namorada me deu um beijo, disse que ia comprar pão, fechou o portão e sumiu. Disseram que ela tinha sido vista na rua da frente, na rua de trás, na rua de cima e na rua de baixo. Na dúvida não fui procurá-la.
Minha namorada está tomando banho, tenho certeza. Daqui dá pra ouvir a água caindo do chuveiro e fazendo um barulho danado, pois ela gosta de gastar muito do que é pago pelos outros e fica horas e horas se ensaboando e passando no corpo sais perfumados. Mas desde ontem que não tem água em casa, muito menos no banheiro. E se não for minha namorada deve ser o fantasma do banho. E melhor que fosse mesmo o fantasma dela tomando banho.
Minha namorada disse que gostaria de viajar, de passar uns dias noutro lugar, talvez numa região serrana ou numa ilha. Seu sonho era viajar de trem e da janela poder avistar lindas paisagens e cenários vivos de pessoas e objetos. Resolvi dar essa viagem de presente, mas só se ela fosse pra o outro lado do mundo, para as regiões mais distantes, desconhecidas e esquisitas do planeta, de modo que não tinha nenhuma garantia de que poderia voltar. Até insisti em enviá-la pra lua, pra o espaço, como cobaia para o mais distante dos planetas. Ela ficou pensando na minha proposta e talvez aceite. E estou doido que chegue logo esse dia.
Minha namorada é voluntariosa, gosta de fazer gestos humanitários, de ajudar os mais carentes e prestar assistência aos doentes e necessitados em instituições de caridade. Sempre digo que o local onde pode se sair melhor é sempre num hospício, num manicômio. Num centro psiquiátrico de alta periculosidade. Conhecendo o funcionando e todos os meandros, qualquer dia poderá arrumar mala e cuia e passar uma temporada por lá. Se for preciso pagarei estadia por longo tempo. Se for possível farei um contrato de permanência eterna.
Não sei por que, mas ela sempre me pareceu com um jeitinho de maluquinha da silva, doida de pedra, totalmente insana. Sempre disse isso a ela, mas nunca quis acreditar, dizendo sempre que me ia dar uma paulada qualquer dia e seria a coisa mais normal do mundo. E completava que maluquice mesmo seria dizer que não me amava.
Minha namorada é linda feito um passarinho, uma passarinha melhor dizendo. Talvez uma sabiá, uma bem-te-vi ou uma gaivota. Um dia me confessou que um dos maiores sonhos que tinha seria voar, voar bem alto, batendo firme suas asinhas encantadoras e indo célere em direção ao horizonte.
Achei até poético ela me dizer isso e logo procurei meios para que o sonho fosse realizado. Assim, um dia mandei que comesse muito alpiste e depois a levei para um penhasco bem alto e lá amarrei duas asas com fita colante, mandei que batesse as asinhas para ver se estavam realmente funcionando, e depois dei um abraço e um beijo e pedi gentilmente que ela fosse um pouquinho pra trás e de lá voltasse correndo já batendo as asas e rumasse precipício abaixo, tomando cuidado para alçar voo assim que estivesse à meia altura.
Fiquei esperando ela cortar o horizonte com o seu voo passarinho, mas nada de surgir nem sombra de asas pelo ar. Não sei por que não deu certo, mas soube mais tarde que ela planando ficou enganchada num pedaço de pau. Como eu não podia fazer nada, até porque não sabia voar, achei melhor deixar ela lá.
Mas gosto demais de minha namorada. Se eu fosse poeta, um único poema teria escrito em sua homenagem e seria igualzinho ao poema “Ismália”, de Alphonsus Guimarães:
“Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...”.

Mas sei que ela me ama. Minha namorada me ama.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com






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