SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sexta-feira, 17 de junho de 2011

TEMPESTADE - 39 (Conto)

TEMPESTADE – 39

                          Rangel Alves da Costa*


A maioria das pessoas, do mesmo círculo de amizade e coito, dizia sempre que de gente Antonieta só tinha o nome. E com razão, pois a astuta da mulher, no mesmo instante que foi empurrada por Minervina que estatelou pelo chão, levou o caderninho preso na mão. Numa maestria das maiores ladras, sutil e rapidamente pegou o objeto guardado entre os peitos da outra que esta nem sentiu.
Quando foi expulsa da sacristia, para ela foi a goiabada no queixo, o mel no mamão, pois nada melhor poderia acontecer para quem precisava urgentemente ficar só com o objeto do precioso furto. E foi por isso que não esperneou, não xingou todo mundo, não tentou virar tudo ali de pernas pro ar.
Sozinha em cima do altar, iluminada pela luz de uma resistente vela, chegava a suar, a tremer de tanto nervosismo com o caderninho na mão, ávida para ler rapidamente o que estava escrito ali.
E se perguntava: O que será de tão importante que está rabiscado aqui? Será que é um diário com safadezas escrito pelo padre Rufalo ou será alguma coisa tipo carta ou poemas que ele escrevia e guardava escondido pra ninguém saber que tinha uma amante? Será que é algum segredo divino que não pode ser revelado ou será que é um segredo do próprio padre? Será que é uma receita de bolo de chocolate ou de alguma batida de frutas? E se o padre era afeminado e escrevia aqui sobre sua paixão escondida? E se for uma lista contendo o nome de todos os cornos do lugar e também o nome das mulheres que botam ponta nos maridos? E se forem os segredos que ele ouve no confessionário e depois escreve tudo aqui pra não esquecer?
Com jeito próprio de quem é falsa por natureza, comete o erro e depois quer se redimir com um apenas um gesto, olhou para a Cruz do Senhor, se benzeu, beijou a ponta do dedo e depois abriu a primeira página do velho caderno.
Na primeira página encontrou apenas uma folha seca, talvez com mais tempo ali do que qualquer um poderia imaginar. Virou a página e na segunda também nada, apenas uma minúscula cruz desenhada bem no cantinho direito debaixo, bem na pontinha da folha. Ao passar essa página sentiu quando alguma coisa caía no chão. Olhou e viu um recorte de jornal. Abaixou-se um pouco e pegou essa notícia que de tão antiga quase não dava mais nem para enxergar as letras. Ainda assim ela conseguiu ler na manchete: “A Vingança da Tempestade”.
Leu novamente e confirmou: “A Vingança da Tempestade”. Achando aquilo muito estranho, antes de ler o restante da notícia olhou a data que aquele jornal havia sido publicado, pois achava que era coisa pra mais de vinte anos. Contudo, para seu espanto, aquele papel velho, amarelado, todo se esfarelando, quase ilegível, estava datado precisamente daquele dia, daquela data presente.
Meu Deus!, disse baixinho, sem acreditar no que tinha em mãos. Em seguida leu o restante da notícia:
“Tudo parecia mais um dia normal, com sol e muito calor até por volta da uma hora da tarde. Daí em diante o mundo começou a se transformar e a vida dos moradores num verdadeiro dilema, em dores e muitas aflições. E tudo porque, do nada, em pleno céu azul e nuvens brancas, de repente se formou uma tempestade veloz, infernal e furiosa, acompanhada de ventos que derrubavam tudo que encontrava pela frente, trazendo ainda consigo raios e tempestades e outras forças misteriosas da natureza. Faltou água, energia e telefone, os serviços essenciais da cidade fora todos paralisados e nem os hospitais e postos de saúde puderam mais funcionar. Em menos de uma hora tudo ficou escurecido, ficou a noite mais escura e tenebrosa, as ruas ficaram completamente alagadas, praças foram destruídas, árvores foram dobradas pela força do vento e troncos logo foram levados nas águas furiosas. Rios, riachos e barragens transbordaram e até mesmo casas de alicerces reforçados foram destruídas. As casas mais pobres ficaram praticamente arrasadas, com muitas delas vindo abaixo ou ficando completamente destelhadas. Foi grande o número de desabrigados, desalojados e desaparecidos, havendo relatos de mortes. Contudo, o mais impressionante é que tudo isso não foi causado por nenhuma mudança climática nem por força de intervenção divina, mas pelo próprio homem. Não propriamente por homens, mas por...”.
E Antonieta não pôde ler o restante, pois o papel havia sido rasgado precisamente nesse ponto. E pelo que percebia rasgado propositalmente, como se não quisessem que o restante chegasse ao conhecimento de quem fosse ler depois.
Mas não pode ser. Essa notícia velha demais num papel de jornal mais velho ainda, porém datado de hoje e relatando o que se passou e o que deve estar se passando agora. Só pode ser coisa do outro mundo, Nosso Senhor dos Aflitos. E o que teria no restante do papel, no resto da notícia? E Antonieta se perdia confusa em pensamentos.
Contudo, segurando o caderninho na outra mão, faltando ainda verificar se tinha mais alguma escrita naquelas folhas, assim que guardou no bolso a notícia incompleta e levantou com as duas mãos o pequeno caderno, já noutra página, bastou os olhos se depararem nas letras e deu um grito assustador.

                                                          continua...





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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