À DERIVA
Rangel Alves da Costa*
Os ventos sempre gostam de soprar em sentido contrário ao destino de muitos, navegantes ou não. Há muito tempo navegando nessa imensidão de anos, meses, dias e horas, quando já deveria estar perto de qualquer cais para descansar, afastar o temor de tudo e procurar viver o que lhes é merecido, sentem que a embarcação por cima dos pés está cada vez mais à deriva.
Cresci e vivi navegando em águas de todo tipo, brandas e tormentosas, sem nunca saber o que seria estar à deriva. Um dia um velho marinheiro me ensinou que todas as vezes que me sentisse sem rumo certo, indo para um lugar com a intenção de ir para outro, ao sabor da sorte e da situação, é porque eu estava à deriva, pois deriva significa exatamente um desvio de rota, de percurso, de caminho pelo mar. No mar da terra também.
Aplicando-se o conceito aos navegantes do leito do mar terreno, a esses marinheiros que como eu saem por aí sem bússola na mão e sem dizer aonde vão, estar à deriva pode significar também o caminhar em vão nesse desvão, o andar em buscar do impossível, o percorrer a vida, por estradas incertas, em busca de qualquer significado. Quando menos se espera e a vela está perdida em meio à multidão.
Mas também pode ficar à deriva aquele que pensa que está no porto seguro de seu quarto, de sua rua, de sua casa, e ainda assim sabe que não chegou aonde deveria estar. Esses refúgios passageiros, tão próprios de navegadores inexperientes e sempre amedrontados, não passam de portos de passagens que nunca deixam os sonhadores seguirem adiante. Querem seguir por aí, sair da casa, do quarto, mas olham pro norte e pensam que os monstros marinhos já estão famintos à espera.
Outra situação de deriva se dá no mundo das viagens no pensamento, das ideias que selam cavalo e querem galopar por aí, chegar aos distantes portais do quase impossível. Quase sempre porque a viagem é muito arriscada pensando como seria vivendo com alguém em paz, em pleno amor, sem brigas nem situações conflitantes. E tão absurdo se torna esse caminho que o viajante tende a cair lá de cima todas as vezes que achar que algum dia conseguirá o que deseja.
Sem contar outros dias, meses e anos num passado distante e infinito, ontem mesmo eu me vi na mais absoluta deriva. Corri atrás de explicações para minha constante solidão e de repente me vi num emaranhado tão grande de explicações e possibilidades que parecia que iria afundar. Algo me dizia que se eu não tivesse feito aquilo, e aquilo me dizia que era melhor ter feito de outro jeito, mas esse outro jeito tinha tantas feições que me perdi completamente. Depois, quando pude emergir desse inusitado simplesmente descobri que o meu erro foi ter dito adeus a quem tanto amava. Só isso.
Poderiam até me chamar de eterno marinheiro de qualquer lugar. Não poderia reclamar se vivo sempre à deriva. É forçoso, mas reconheço que jamais aprendi ao menos nadar e quando menos se espera já estou em alto mar. Num barquinho de qualquer papel insisto entrar em águas profundas e perigosas para buscar a felicidade; numa caixa de papelão invento que vejo quem tenho saudade lá longe e me jogo sem remo e sem rumo; com braçadas que logo se cansam digo que vou atravessar os oceanos até chegar numa ilha onde possa enfim viver em paz. Quando gritam por mim já estou sendo tragado pelas correntezas da impossibilidade, à deriva, sem forças para encarar novamente a realidade.
Mas o velho e amigo marinheiro, conhecendo esse meu mar de águas tão perigosas e ventos que sempre sopram aos nortes contrários, um dia me disse que só havia um meio que eu navegasse sem sofrer os perigos de me perder nessas viagens que tenho de fazer para sobreviver. Ouvi atentamente o amigo conhecedor de barco e navio, mar e oceano, terra e distância.
E então ele me disse que é impossível fugir da deriva se não conhecemos as águas que navegamos. O melhor a ser feito é viver sempre no cais, ainda que a vontade de navegar faça as ondas chegar aos pés.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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