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terça-feira, 21 de junho de 2011

TODAS AS RIMAS DA POESIA

TODAS AS RIMAS DA POESIA

                       Rangel Alves da Costa*


O sentimento ou a expressão poética não nasce de uma rima rica ou pobre. Do mesmo modo, a rima em nada expressa o âmago da poesia. Versos brancos existem que trazem em si uma profundidade tamanha que ninguém lembrará que rimas poderiam proporcionar maior brilho.
Tenho a rima simplesmente como um acaso na poesia. O próprio conceito de rima a prende muito mais ao trovadorismo do que mesmo à poesia. O que seria, então, a rima senão a correspondência de sons finais entre dois ou mais versos, uma uniformidade de som na terminação de duas ou mais palavras.
Pela conceituação, não seria permitido à crítica poética, por exemplo, abominar as denominadas rimas pobres, como ocorre com amor e idade, sentimento e lamento, tarde e saudade. Aplaude a rima rica simplesmente pelo esforço na busca e encontro da palavra não usual, não comum. Dizem, pois, que escura e formosura constituem rimas ricas.
Contudo, a poesia em si não tem nada a ver com rima rica ou pobre, senão pelo motivo sentimental que ela pretende expressar. Daí que muito mais importante do que a preocupação em buscar rimas ricas está o caminho, o norte expressivo que o poeta quer chegar com aquelas palavras.
Ora, no meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho. Drummond não precisou rimar para dizer dos percalços e percursos difíceis que envolvem a vida. Então ele foi buscar naquilo que pode ferir, que é a pedra no caminho, para dizer que o homem só pode caminhar se for vencendo as dificuldades impostas.
Daí é que surge uma questão crucial, que defendo sem medo de ser achincalhado e aviltado: a verdadeira rima da poesia não está nem na palavra escrita nem no verso construído, com suas métricas e estilos, mas sim naquilo que o poeta se baseou para exprimir em versos.
Deixando bem claro, digo que a poesia escrita é apenas a tela que guarda por cima a paisagem vivenciada pelo poeta. Aquilo que se mostra é apenas algo aparente, pois o conhecimento do que está expresso coube ao poeta na viagem do seu pensamento, na sua imaginação, na sua saudade, na sua angústia, na sua alegria, na sua dor.
E mais: a verdadeira rima da poesia nasce da junção do íntimo do poeta com a paisagem que ele cria em pensamento para tornar numa imagem poética. Assim, a saudade de alguém rima com um trem que vai partindo ou chegando. O esboço final da poesia será sempre como o poeta expressou, através da escrita, essa partida ou chegada do trem.
Portanto, todas as rimas na poesia nascem da correspondência entre o sentimento do poeta e o que ele se espelha para expressar seu sentimento. Soará falsamente e nem será poesia todas as vezes que forjar aquilo que não existe, quando forçar um sentimento para transformá-lo numa construção poética.
Nos poetas profissionais, onde o verdadeiro sentimento é trocado por conveniências, até que é possível o poeta imaginar o que bem queira e escrever também como bem quiser. Tudo rimará na conveniência do sabor/dissabor, do vento/tormento. Diferentemente do que ocorre com o poeta que não força inspiração, pois invadido por sentimentos que lhes são próprios e tão verdadeiros.
Desse modo, reafirmo que a rima escrita não vale absolutamente nada na poesia, sendo totalmente dispensável em nome do poder expressivo do poeta. Contudo, ela deverá continuar existindo sim, mas tão-somente na relação entre a mente do poeta e o que este traduz como poesia, visíveis num cenário de angústia ou felicidade.
Assim, todas as rimas da poesia estão na relação entre o poeta e seu pano de fundo e motivo, que são, por exemplo, a tarde, a noite, a solidão, o quarto escuro, o medo, a montanha, as águas do rio, a revoada, o amor, a saudade, a pedra no meio do caminho.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

 

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