SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sexta-feira, 10 de junho de 2011

TEMPESTADE - 32 (Conto)

TEMPESTADE – 32

                          Rangel Alves da Costa*


Tendo retornado à sala para fazer mais uma oração, agora para ver se voltavam a lembrar daquela conversa de ir tomar banho nua lá fora, De Lourdes percebeu que a amiga Manuela, ou Manu na cordialidade de conterrâneos, chorava baixinho.
Abaixou-se até bem próximo a ela, sentou a seu lado, pediu que ela colocasse a cabeça no seu colo e começou a alisar os cabelos, inventando coisas pra ela não lembrar da revelação feita por Teté. Evidentemente a casa havia sido totalmente destruída pela ventania e as fortes chuvas, mas era preciso segurar um pouco essa realidade tão aflitiva, dizendo, por exemplo, que o irmão nesse dia estava muito agitado e dizendo coisa com coisa.
“Manu, minha amiga, minha boa amiga, quando essa tempestade faminta passar tudo será diferente. Por enquanto não podemos dizer nada sobre o que foi atingido pela força das águas e da ventania. Teté disse umas coisas, porém você conhece muito bem como ele é, o coitado. Fala tudo certinho que ninguém diz que tem o juízo ruim, mas basta a gente conhecer ele mais de perto pra saber que ele vive muito mais nas nuvens do que na realidade...”.
“Mas De Lourdes, eu ouvi direitinho quando ele disse que minha casa tinha sido totalmente destruída pelo temporal. Pode até ser amalucadinho, mas tem coisas que qualquer doido varrido sabe o que é de verdade...”
“Acredite em mim, Manu, acredite em mim e tenha certeza que sua casa está lá esperando a chuvarada passar que é pra você retornar e, bonita como você é, logo arranjar um namorado novo, uma pessoa que não faça mais o que o safado do Menandro fez, trocando você por uma sirigaita qualquer. Não sei o que esses homens pensam, pois se tem dentro de casa uma mulher trabalhadora, bonita, honesta e tudo o que uma boa mulher deve ter, deveriam era levantar as mãos para o alto e agradecer a Deus...”
E Manuela falou uma coisa que avivou a tristeza e a choradeira da outra, da sempre encalhada De Lourdes: “De Lourdes minha filha, faça um teste você mesma, como já deve ter feito. Faça o que for possível e muito mais do que deve ser feito, abrindo as pernas e fazendo tudo que ele quiser, ainda assim não será fácil prender homem. Você, que já deve ser muito experiente nessas coisas e, de forma mais que inteligente, continua solteira, deve saber muito bem o que estou dizendo”.
E De Lourdes, já falando com a voz meio pastosa, chorosa: “Quem dera eu ter qualquer experiência com homem, mas não tenho não Manu. Pode acreditar, mas até hoje, já nessa idade da vida, já descambando o caminho, continuo totalmente invicta, do jeito que nasci e parece que vou morrer. Meu maior sonho, meu maior desejo é arranjar uma boca perdida qualquer, sem olhar nem para o rosto do homem, e beijar muito, desesperadamente beijar e depois passar a língua pelo corpo todo e sentir como deve ser o cheiro de homem nu...”.
E sem querer Manu atiçou ainda mais: “O cheiro pouco importa, mas não há coisa melhor do que sentir um homem lhe agarrando, lhe possuindo, um cão selvagem fazendo você de presa...”
Já chorando desesperada, com o corpo em chamas, ainda que boa parte dele exposto ao chão molhado, a solteirona se desesperava: “Para, para com isso Manu, não posso nem ouvir falar dessas coisas. Não sei nem o que é ter um homem por perto pra beijar e você vem com essas coisas. Pra mim bastaria um beijo, pois não quero morrer sem beijar muito uma boca de homem. Já fiz promessa, já orei, já fiz tudo e até agora nada. Não saio nem na rua que é pra não correr atrás de um homem bonito e avançar em cima dele e roubar um beijo, mil beijos...”.
“Para com isso De Lourdes, pois você ainda e muito nova e bonita. Quando a chuva passar e tudo estiver resolvido e toda a verdade aparecer, haveremos de arrumar um tempinho pra passear que quero lhe apresentar uns amigos...”.
“Eles gostam de beijar, são bonitos, como é a boca deles, um beijo dura menos de cinco minutos ou mais?”, perguntou a solteirona, ao que a outra respondeu:
“Depende, pois existe um tipo de beijo que não precisa ser dado pra durar para sempre. Mas se você der esse beijo nem espere ser correspondida no mesmo instante, pois a pessoa que você beijou só vai sentir o sabor do seu beijo muito depois. Ao sentir vai lembrar da boca que beijou e sentir saudades, vai querer outro beijo e então vocês poderão ser felizes para sempre. Esse é o beijo que acho mais importante, que é dado naquela boca que você quer sem precisar tocá-la imediatamente. Eu acho que você já deu esse beijo, só falta a outra pessoa, o seu bem-amado, sentir e querer outro beijo, e daí em diante será amor verdadeiro...”.
“Você acha que eu beijei esse beijo Manu, mas quem eu beijei?”. E a amiga respondeu: “Mais cedo ou mais tarde você saberá, pois num repente aquele que foi beijado olhará nos olhos e sentirá o desejo de outro, de outros beijos...”.

                                                      continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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