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domingo, 19 de junho de 2011

O MILIONÁRIO (Crônica)

O MILIONÁRIO

                                  Rangel Alves da Costa*


No ano de 2008, depois de ficar treze dias em coma e tantos outros dias num solitário e apavorante quarto de hospital público, em Aracaju, tive a graça de receber alta na véspera das festas natalinas.
Até hoje não sei muito bem porque fui parar ali. Lembro claramente, contudo, que quando consegui abri os olhos um irmão meu que é médico e estava ao lado me perguntou se eu sabia há quanto tempo eu estava naquele leito de UTI. Não sabia e a voz fraca demais, quase inaudível, não permitia responder.
Em casa, repousando em meio a tantos sentimentalismos trazidos pelas festas e simbologias natalinas, achava tudo muito bonito e triste demais, mas sempre procurando encontrar a porteira para o novo caminho, pois havia nascido de novo, eu sabia e sentia isso.
E como um ser que recebe a permissão divina para renascer, tinha que procurar caminhar para cumprir aquilo que me foi confiado fazer sobre a terra. Se eu não tivesse um desígnio, uma missão a cumprir, certamente que não teria voltado. Certamente não estaria aqui escrevendo estas palavras.
E quando Deus, que muitas vezes esteve ao meu lado sentado à sombra de uma imensa árvore dizendo coisas e repassando lições – que eu não poderia dizer em palavras -, colocou sua mão sobre minha cabeça e mandou que eu despertasse para a vida, então o fez confiando na minha capacidade de agradecer, através de ações, aquela benção recebida.
Por tudo o que passei, pela fronteira que transitei e pela chance de continuar vivendo que recebi, o que poderia querer mais da vida do que a certeza que continuo aqui, trabalhando e com a saúde plenamente restabelecida?
Mas não, juro que quero mais, quero muito mais, pois preciso fazer com que o meu Deus sinta que o seu filho não só honra com a chance que lhe foi confiada, como procura fazer muito mais para efetivamente valorizar a vida e a existência.
Quantos são agraciados com essa oportunidade de renascer? Não acredito na ideia de que aquele não era o meu momento, não havia chegado minha hora, pois sei quantas pessoas partem sem hora marcada, muitos mais depressa do que imaginam. Uma benção, um toque divino, uma ordem para continuar com o meu trabalho sobre a terra, foi isso que houve.
E diante da permissão recebida, me esforço e me contento em poder realizar aquilo que me é possível. E o melhor disso tudo é que me sinto a pessoa mais rica do mundo, mais poderosa, mais capaz de ter tudo o quero e no instante que quiser, simplesmente porque estou vivo e sou capaz de realizar.
Financeiramente nunca fui aquinhoado, nunca tive além do que preciso para sobreviver, até pelo contrário. Não tenho carro, casa própria, conta em banco, cartões de crédito, não freqüento shoppings nem faço turismo. Não tenho nem vivo com luxo algum, não faço planos para adquirir aquilo que sei que vai atrapalhar minhas noites.
Sem emprego fixo, sobrevivo dos serviços que presto como advogado, recebendo os clientes no escritório que foi montado precisamente onde era a garagem da casa de minha mãe. É nesse local, tomado por pinturas e desenhos que eu mesmo produzo, com minhas estantes e meus livros, meu computador, minha arte e minhas tantas lembranças e recordações, que vivo e sobrevivo para cumprir aquele destino que me foi confiado.
E é precisamente esse destino, fruto daquela mão divina dizendo que vá, que me tornou num verdadeiro milionário. Antes de adoecer já escrevia muito, já possuía muito material guardado, já pintava e desenhava, já era poeta, mas quase tudo ficava no silêncio escurecido das gavetas.
Hoje, mais precisamente depois daquele natal de 2008, infinitas riquezas povoam o meu pensamento e minha criatividade. Agora realmente sinto o quanto eu ainda tinha e tenho de fazer nessa terra.
Já possuo mais de uma dezena de livros publicados, todos os dias faço cumprir o desígnio de criar e escrever mais e mais, fazendo nascer personagens, inventando histórias, estabelecendo enredos e tramas. E também escrevendo pra você, como agora, com a maior felicidade do mundo.
Eis porque, aos 48 anos, sou feliz e rico demais, eis porque sou milionário.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com    

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