MENINO DE UMA ROUPA SÓ
Rangel Alves da Costa*
Ora, se a vaidade também acende o prazer de se mostrar bem, de ser visto com beleza, de agradar a quem olha, então nada demais que a pessoa goste de estar bem vestida, arrumada, com uma roupa que desperte simpatia.
Todo mundo gosta de ser assim, normalmente admirado por aquilo que veste. Contudo, não significa que uma bela roupa, que caía bem na pessoa, que cause admiração, tenha que ser enfeitada ou de luxo, comprada cara ou de marca. Roupa de feira existe que é muito mais bonita, agradável e charmosa de que vestimenta de grife.
Menina moça do interior veste roupa de chita e não tem flor mais bonita; rapazinho parece um príncipe com sua calça grosseira e sua camisa sem brilho; todo mundo olha e se admira com tanta lindeza no jeito de ser e vestir. Daí ser verdade quando dizem que a pessoa parece estar bem vestida até quando anda rasgada. E por quê? Logicamente porque a roupa é o de menos valor que uma pessoa deve usar por cima de si.
Agora imagine uma pessoa que é o próprio rei majestoso andando sempre com a mesma roupa. Não porque gosta de usar sempre aquela que lhe cai melhor, porque lhe causa formosura ou chama mais atenção, mas simplesmente porque só tem aquela mesma. Se tirar as duas partes - a camisinha e o calção - fica praticamente nu. E isso porque ninguém sabe se usa cueca por baixo.
O mais estranho, contudo, é que o menino só usava aquela roupa e nunca era visto com ela manchada, suja de baboseira, fétida ou amarelada. Não usava passada a ferro, mas também dava gosto de ver a roupa de sempre toda limpinha, toda nos trinques, parecendo que havia saído do armário.
Então ia o menino de roupa limpa, todo arrumadinho, mas carregando na mão sua caixa de engraxar sapatos. Não perambulava com ela pendurada nas costas que era pra não se sujar, não manchar sua roupa de dia e de noite, de feriado e de dia de festa, de sempre. A cor da roupa pouco importa, vez que de tanta limpeza logicamente fazia com que ela fosse ficando apenas meio esbranquiçada.
Camisa de malha e calção, roupa de menino, roupa boa de vestir, passear e trabalhar. Quem a ofertou de bom coração, certamente fez isso porque o filho achou que já estava velha demais, apertada ou fora de moda, não imaginou o quanto serviu no modelo mais bonito da cidade.
Toda roupinha nova que ganhava, mesmo já de tanto uso nos outros, parecia ter sido feita em cima do corpo do garotinho. Nem curta nem folgada, nem rasgada nem trazendo ainda o preço colado. E ele nem se importava com isso, não se importava com nada, a não ser quando sentia que aquela roupa já ia lhe faltar. E quando deixava de usar era porque já estava totalmente imprestável. Toda rasgada, mas limpinha.
Mas o que o menino fazia para a roupa estar sempre limpinha e cheirosa? Simplesmente lavava todos os dias, ou melhor, todas as noites para já amanhecer enxuta. Assim, antes de deitar para dormir no coreto da pracinha, seguia até a fonte ao lado para tomar banho e esfregar sua vestimenta da manhã seguinte.
Depois se enrolava com uma toalha que sempre guardava dentro da caixa de engraxate, estendia a roupa no jardim, pertinho das flores, e ia sonhar em ser rei um dia. Se a noite fosse chuvosa, estendia a roupa ao lado de onde deitava. Muitas vezes tinha que vestir ainda úmida, um pouco molhada.
Mas um dia lhe fizeram uma maldade de cortar coração. Estendeu a roupa no jardim e foi viajar nos seus sonhos. No meio da noite passaram e levaram tudo, maldosamente esperaram ele adormecer para roubar sua única roupa de vestir. Ninguém ia vestir, não servia mais pra ninguém, mas ainda assim resolveram deixá-lo completamente nu.
Ao acordar e não encontrar sua roupa nem pensou duas vezes sobre o que poderia ter acontecido. Já conhecia muito da maldade do ser humano. Mas era assim mesmo, sabia. Tomou seu banho e saiu pelas ruas com a toalhinha na cintura e a caixa de engraxate. E ninguém percebeu que ele estava quase nu, pois só avistavam a roupa limpinha e quase sem cor.
Poeta e cronista
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