SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 6 de junho de 2011

MENINA MALINA (Crônica)

MENINA MALINA

                 Rangel Alves da Costa*


Desde que me conheço por gente, e ao menos no sertão de onde vim era assim, ser malino significa ser traquina, inquieto, buliçoso, travesso, cheio de reinações. Serve pra menino ou menina, desde que seja pestinha e inconfundível no seu jeito de ser.
Nunca tive essas características, nunca fui assim cheio de espontaneidade e em paz com os desejos próprios de fazer o que quiser. Os comedimentos me impediram de viver a plenitude da infância e as alegrias de uma vida em total descontração.
Mas conheci uma pessoa que era o verdadeiro tição faiscando, a labareda perto do vento, a própria ventania na sua danação maior. E quanta felicidade ela tinha, só faltando voar para estar em todo lugar, mexer com todo mundo, revirando as coisas, fazendo a vida animadamente desandar.
A menina malina era a coisa mais linda, mais encantadora do mundo. Se pessoas nascem para esbanjar alegria, contentamento de vida, prazer em tudo que sentia, tocava ou fazia, o mais perfeito exemplar era aquela pivetinha.
Seu aspecto desprendido, seu cabelo lisinho sem querer ver pente, de vez em quando adornado de fita, seu corpinho vestido em qualquer roupa de chita, seus pés descalços ou calçados, seus saltos, seus passos, seus pulos, suas correrias, seus gritos, seus gestos, seus pedidos, tudo enfim refletia uma sincera alegria.
Lembro como hoje ela indo devagarzinho, escondida, pé ante pé, e tapando os buracos abertos na areia onde os meninos brincavam de bola de gude. Ora, não aceitavam que ela brincasse também, então que tivessem trabalho para abrir outros buracos.
Parece que estou vendo a sapeca levando garranchos, tiras de panos e outros objetos lá pra debaixo da goiabeira. Primeiro varria uma boa parte do sombreado e depois sentava para armar sua casinha de brincar de bonecas. Quando tudo estava bonito e pronto, lá ia ela com suas bonecas de pano, seu pedaço de espelho, sua mamadeira pequenina, sua caminha de palito de picolé.
Não posso esquecer quando ela armava a rede do avô no alpendre da casa, gritava dizendo que já estava esperando por ele, mas quando o velho deitava não conseguia cochilar de jeito nenhum. Tinha que contar a estória do patinho que só tinha um olho e uma perna, da onça que lambia flor, do sol que não gostava de tomar banho.
Quanto mais o avô contava ou criava estórias mais ela pedia mais. E se ele dizia que já estava bom, que queria dormir um pouquinho, lá ia ela buscar um pedaço de bolo, uma fatia de cocada, um copo de suco de mangaba. Oferecia e depois sentava ao lado entristecida, como se uma coisa ruim estivesse acontecendo. Mas o velho já sabia o que era e voltava a inventar estórias e causos, a trazer mula-sem-cabeça, fogo-corredor, pequenos contos sertanejos.
Sumia e a mãe começava a gritar por todo lugar. Ninguém sabia informar nada, não sabia dizer se ela tinha sido vista em qualquer lugar simplesmente porque a mesma não havia saído um instante sequer de dentro de casa. Sem que ninguém visse ou soubesse, deitava debaixo da cama do irmão e ficava lá, acompanhada por uma boneca de pano, esperando tudo acontecer.
E acontecer de o bicho-papão aparecer por ali, chegar a qualquer momento para se esconder debaixo da cama e ficar esperando a noite chegar para assustar ou querer comer seu irmão. Ora, diziam que o bicho-papão ficava escondido debaixo da cama de gente pequena, então ficava ali horas e horas esperando o danado chegar, pois queria dizer umas duas a ele.
Mas não queria expulsar de vez o bicho-papão dali não. Queria até ver se fazia amizade e ganhava a confiança dele. E quando isso acontecesse ia dizer que deixasse o seu irmãozinho em paz, pois ele era muito novinho e pequenino. E se ele quisesse quebraria o cofrinho pra dar todas as moedas que tinha lá, mas só se ele fosse engolir inteirinha a professorinha de Matemática.
Nunca mais vi minha boa amiga. Hoje já deve estar moça feita, ou não. Quem nasce para ser plenamente criança nunca envelhece.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com       

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