UMA MENINA ASSIM...
Rangel Alves da Costa*
Ela era uma menina assim, tão comum que chegava a ser diferente.
Assim como uma menina verdadeiramente menina, vivendo seu tempo e espaço, sua carreira e seu laço, sem querer ser criancinha nem mocinha igual às outras.
Assim menina sapeca, amiga de sua boneca, arrumando sua casa de tenda para receber as visitas, a borboleta e a flor, a vassourinha e o espelho, a brisa que gostava dali e a vida que não queria partir.
Uma menina assim sem maldade, sem ser briguenta e turrona, sem responder com ignorância, ouvindo o que lhe diziam para pedir o que devia, tudo na medida da educação e do respeito, sempre calma do seu jeito.
Menina assim nascida para ser feliz, com cara de manhã bonita, jeito de jardim florido, alegre feito a revoada, olhando da sua janela quem era mais bela, se era a paisagem ou se era ela.
Menina normal, com pai, mãe e irmãos, família e outros parentes, primos que chegavam e partiam, muitas saudades que ficavam, lembranças que torturavam, outros momentos que chegavam.
Menina de roupa de menina, sem enfeite, sem botina, de sapatinho ou sandália, de sainha ou vestido de chita, laço no cabelo, a coisa mais bonita, um brinquinho na orelha e duas maças na face, e esse era o seu disfarce pra parecer com a natureza.
Uma menina assim com seus sonhos, seus medos e desafios, coisas de dar arrepios, viagens que fazia sem sair do lugar, no seu arco-íris na parede, no seu castelo encantado, que tinha um príncipe enjaulado para ser logo libertado.
Menina assim que desenhava, no caderninho rabiscava, um céu bonito estrelava e pelas nuvens andava, ao lado de sóis e luas, de pássaros voando no céu, viagem ao horizonte distante, dessas coisas sempre amante, errando sem ser errante.
Menina de agenda e segredo, de frase sem nenhuma maldade, de estórias encantadas, duendes e contos de fadas, tudo contado em verso, na página e seu reverso os sonhos que ela tinha.
Menina que gostava de doce, de pipoca e algodão de lambuzar, de maça e de goiaba, de suco de beterraba, de chocolate e sorvete, mas se nada disso tinha bastava um copo de água, um pedaço de bolo ou de pão, tudo com satisfação sem fazer cara feia, sem qualquer reclamação.
Menina que fica febril, gripada e toda vermelha, com a mãe de lado mimando pra tomar o que detestava, pois remédio odiava, injeção injuriava,dizia que nada prestava, que já estava melhor, que queria tomar chuva, que queria tomar sol, curar de vez pelo arredor.
Uma menina assim de mimos e abraços, de carinho nos seus pais, de palavras cativantes, sem exigir nada com isso, apenas pela presença de quem tanto gostava e amava.
Uma menina que um dia ouviu de sua mãe um segredo, coisa que deu muito medo, pois não pensava em ser outra, outra menina nela mesma, com seu nome e sobrenome, mas agora já crescida, coisa chamada mocinha, o mesmo que adolescente.
Uma menina assim, a mesma com outro corpo, outro jeito de se ver, outra maneira de vestir, até outro jeito de sorrir, de brincar e de andar, como se nada fosse dela e nem ela fosse mais ela.
Uma menina mais triste, mais indecisa e medrosa, com medo de não se reconhecer, de sentir tudo mudar sem saber por que tudo aquilo pra crescer, mudar tudo e se ver sem boneca e sem correr, com a criança rapidamente no seu corpo adormecer.
Uma menina de espelho, de batom mais que vermelho, de brinco e roupa da moda, mas nada disso queria, preferindo pular corda, tomar banho nua na chuva, desenhar um balão de verdade e fugir daquela idade.
Uma menina assim, que um dia olhou adiante e viu um menino interessante, garoto bem cativante, e esqueceu de ser criança, porque a vida segue em frente, na angústia e na esperança.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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