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domingo, 26 de junho de 2011

TEMPESTADE - 48 (Conto)

TEMPESTADE – 48

                          Rangel Alves da Costa*


Nesses momentos de dificuldades para se avistar ou se comunicar com a pessoa que se deseja ter, ver ou simplesmente saber como vai, os pressentimentos surgem como uma via dolorosa de aproximação.
Dizem que o pressentimento é a voz do instinto dizendo que algo está acontecendo ou vai acontecer, uma visão ou previsão de um acontecimento, uma intuição vaga das coisas futuras. É a previsão instintiva e sem causa aparente de alguma ocorrência. No pressentimento há um sentimento antecipado, como uma previsão, uma ligeira desconfiança, um palpite de que algo possa estar ocorrendo.
Quando menos se espera o pressentimento surge dizendo algo, mudando o rumo do pensamento para algo que a pessoa nem esperaria jamais imaginar, pois quase sempre terrível, medonho, doloroso. O que chega à mente como anúncio dificilmente é algo que se suporte com tranquilidade.
Desse modo, tanto os familiares da professorinha Suniá como do seminarista Tristão estavam envolvidos em outras preocupações, outros afazeres, outras coisas urgentes, quando sentiram surgir à mente terríveis indagações: Meu Deus, estou com um pressentimento ruim, uma coisa, um peso me dizendo que alguma muito ruim está acontecendo com...
Verdade é que estavam realmente preocupados com a tempestade, com a chuva ameaçadora, os ventos cortantes, os barulhos e os trilhos faiscantes que surgiam pelo céu totalmente enegrecido. Não havia tempo para pensar noutra coisa senão em rezar, orar, juntar forças de fé para que o mundo não acabasse como estava parecendo. Mas eis que de repente chegam os pressentimentos, os sinais, as outras preocupações.
A mãe de Suniá estava procurando seu livro de orações, um velho caderno preservado de geração a geração familiar, tateando nas gavetas com um candeeiro na mão, quando de repente a chama apagou e ela sentiu uma frieza estranha passando bem perto do seu corpo, como se um vento frio estivesse cruzando por ali naquele mesmo instante.
Com o arrepio veio o benzimento, o medo e a certeza do aviso: Meu Deus, dizei-me logo o que houve! Reacendeu o candeeiro e se prostrou na lembrança de uma oração que sempre guardava em mente, que era a Oração dos Aflitos: “Ó meu bom Jesus, Senhor dos aflitos, vós disseste: ‘Vinde a mim todos os aflitos, que vos aliviareis’. Aqui estou para conversar convosco, meu grande e generoso Senhor. Infundi em meu coração profundo amor, para que amando, servindo, e ajudando vós na Pessoa do meu semelhante possa viver o vosso evangelho, praticando o bem e sendo útil e assim participar da vida no céu. Senhor Bom Jesus dos Aflitos, vós sois minha única esperança. Resolvei os meus problemas, dizei-me o que significa este anúncio, este sinal que me chegou numa frieza medonha, dizei-me o que se passa e que com quem se passa, que é para mais fortemente eu me lançar a teus pés em busca de salvação. Isso vos peço em união com o Pai e o Espírito Santo. Amém”.
Assim, ainda ajoelhada no canto do quarto ouviu como se Suniá estivesse chegando, entrando em casa, falando alguma coisa. Então levantou e correu até a sala para confirmar o pior. Não havia nem sombra da filha e isto era o maior sinal de que todo aquele pressentimento ruim era de que alguma coisa desagradável estava realmente acontecendo com a mesma.
Daí em diante a aflição aumentou, pois à mente foram vingando pensamentos e ideias, suposições e imaginações, mais medo e muito mais certeza de que ela não estava bem, de que precisava ser logo encontrada para ser ajudada. E o desespero se alargava e tomava as mais tristes feições, à medonheza do tempo agora se juntava à estranheza do desconhecido.
Mas o que poderia estar ocorrendo com a filhinha querida, a tão doce e sublime Suniá, será que havia passado mal, estava presa num desses abismos da tempestade, havia sido levada pelas águas, tinha caído num daqueles bueiros sem tampa e sumido, tinha sido levada pela ventania desenfreada, havia morrido, será que Suniá havia morrido?
E a aflição aumentou a tempo de o grito cortar a noite a qualquer instante quando a pobre mulher passou a ter a certeza que tinha visto a filha andando lentamente e de cabeça baixa pela casa, falando baixinho, se despedindo de todos, dizendo que gostava de todos, que sempre amou a todos, e por isso mesmo queria ficar mais tempo junto com eles, mas tinha de ir mais cedo, tinha de partir, tinha viajar, pois já estava morrendo e o seu trem partiria dali a instantes.
Deus, meu Deus, dizei-me onde e como está minha filha! Gritou a mulher o grito dos desesperados. E o mesmo grito, com as mesmas visões surgidas dos mesmos pensamentos, ressoou por dentro da casa da casa da avó do seminarista Tristão, lá na subida da Ladeira dos Quatro-Ventos.
A velha senhora, que na falta da mãe e do pai do rapazinho era tudo isso e muito mais, na sua luta diária fazendo e vendendo cocada quebra-queixo para sobreviver, não podia nem pensar na ideia de qualquer coisa ruim estivesse acontecendo com ele. Ora, na sua concepção já era quase santo, pois estudando pra ser padre e vivendo dia e noite nos afazeres religiosos, e por isso mesmo nada de ruim poderia recair numa pessoa tão pura.
Sozinha trancada em casa, na esperança que a medonheza do tempo passasse logo, fazia da quase total escuridão uma forma de ficar recolhida ali num cantinho do sofá envolvida em pensamentos sobre a vida de padre do neto. E era como o visse celebrando missa, todo paramentado, falando palavras bonitas no sermão e distribuindo bençãos aos fieis.
Mas de repente janelas e portas estremeceram mais fortemente e um zunido diferente passou por onde estava e uma luz esbranquiçada, bem fraquinha de quase não enxergar, atravessou acompanhando o zunido e dentro dela a figura de um jovem que mais parecia um anjo. É Tristão, o que aconteceu com ele, meu Deus?
E os mesmos pensamentos ruins vivenciados pela mãe de Suniá agora chegavam à mente também aflita e desesperada da avó de Tristão. Teve vontade de abrir a porta e correr para a rua, seguir até a igreja, gritou num misto de aflição, angústia, descontrole e tormento para ver se alguém chegava até ali, mas nada. E quando ia se ajoelhar para a oração pareceu ouvir uma voz de vento falando por trás:
“Os sinos da igreja tocam apressadamente. Ouve, minha avó, os sinos anunciarem a partida do seu neto? Mas quando os sinos tocam não é a certeza da partida, mas apenas do chamado, pois não há badalar mais forte do que a voz de Deus. E se ainda não é a voz de Deus também não tenho a certeza dessa partida. Mas dizem que os sinos antecipam a voz de Deus, por isso não sei se ficarei ou se chegou o meu momento de partir”.
“Não, meu netinho, não!!!”. E a velha senhora ecoou numa aflição indescritível, mas depois levantou rapidamente, se virou para o lado de onde parecia ter vindo a voz e disse com firmeza: “O tempo dele pertence a Deus. E Deus não há de permitir que nada aconteça com aquele que já está semeando a sua palavra sobre a terra”.

                                                   continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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