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sábado, 25 de junho de 2011

TEMPESTADE - 47 (Conto)

TEMPESTADE – 47

                          Rangel Alves da Costa*


Com medo, a mocinha largou seus escritos em cima da mesinha e correu pra um canto do quarto, se enrolando toda numa coberta que ninguém, a não ser ela mesma e os seus temores, perceberia que estava ali. Contudo, depois dos toques iniciais e de uma pausa de cerca de três minutos, os sons foram ouvidos novamente. Alguém ou alguma coisa batia à janela, não tinha dúvidas.
Mas quem poderia ser, se perguntava, se ali fora só havia o tempo aberto, não havia casa ao redor, calçada para alguém estar passando ou nada que permitisse a chegada de qualquer pessoa, a não ser subindo pelo lado de fora da casa. Se fossem os seus pais eles bateriam na porta do quarto, entrariam por ela, mas não pelo lado de fora da janela.
Outros toques, mais toques. Estava enrolada dos pés à cabeça, tremendo toda, pensando num jeito de fugir dali. Mas sabia que o medo só é vencido enfrentado a situação, e por isso mesmo afastou os panos do rosto disposta a caminhar até lá e perguntar quem estava do outro lado. Não podia enxergar com nitidez a janela, apenas o local onde estava disposta, e olhava pra lá quando viu repentinamente ela se abrir.
Assim que ela ficou escancarada, batendo de um lado a outro pela rajada de vento feroz, surgiu relinchando, numa brancura fosforescente, um imenso cavalo branco, de mais de dois metros de altura, tendo por cima um cavaleiro que tão belo não podia ser totalmente reconhecido. Imenso, enorme, guerreiro viking de um céu bem distante, nórdico de um terra estelar. Os cabelos longos brilhavam, a espada dava giros pelo ar.
Passando de súbito, colossais, fantásticos, pela janelinha estreita, cavalo e cavaleiro fizeram piruetas pelo ar e fizeram cair por todo o quarto escuro milhões de estrelas. E não durou mais que minuto, pois no instante seguinte e a janela fechou novamente, ficando apenas a poeira colorida pela passagem e as estrelas, já perdendo o brilho, mas ainda povoando o mundo assustado da mocinha.
Longe dali o menino Zezeu, o pequenino vidente que avisou a seus pais que iria ser atacado por uma cobra e predisse tantos acontecimentos realmente ocorridos, gritou para sua mãe Gecineide: “O cavalo de raio de luar já chegou com o príncipe encantado, entrou feito vento pela janela de Saraí, jogou esperança e proteção nela e foi embora, mas ele vai voltar logo...”.
“Mas do que você está falando meu filho?”, perguntou a mãe de Totinha, irmão do menino, ao que ele respondeu, já contando com a presença da ouvinte: “Mãe, eu tô dizendo da mocinha Saraí, uma que é muito bonita, mas ninguém vê o rosto por causa da escuridão. Ela estava escondidinha lá no seu quartinho quando aquele que ela pensa ser o seu namorado chegou de repente, voando ligeiro, em cima de um cavalo de nuvem, alazão das estrelas, vindo do céu, numa velocidade de vento...”.
“Mas quem é essa Saraí e onde mora, que tem um namorado que chega voando num cavalo?”, perguntou a mãe aflita, agora com medo que o filho estivesse tendo algum surto. E o menino respondia como se estivesse viajando, num outro mundo, com o olhar sempre distante.
“Só sei o nome dela e que ela está num quartinho muito escuro, com uma lamparina de luz fraquinha por cima da mesa que tem uma coisa escrita. Ela estava escrevendo pro seu namorado, que não é como a gente não, pois é de outro mundo. Só pode ser de outro mundo porque ele entrou de cavalo por uma janela pequeninha e lá dentro do quartinho ficou tudo imenso, tanto o cavalo faiscando pó de estrelas, como ele, que de tão iluminado parecia sem cor. Parecia um desses cavaleiros do céu que a gente vê em história de televisão. Ele chegou ali, passou com facilidade pela janelinha e lá dentro fez derramar estrelas pequeninas por cima dela e por todos os cantos...”.
“E o que significam essas estrelas?”. E ele continuou para responder: “Mas mãe, as estrelas que ele espalhou nela significa muitas coisas. Pode significar a luz para iluminar seu caminho, um pouco de alegria diante da tristeza, uma estrada iluminada por onde ele vem sempre visitar ela, um sinal de que ele existe e que ela fala a verdade quando diz que namora com um príncipe encantado, com um cavaleiro do céu...”.
“Mas o que será dela agora, com o aparecimento dessas estrelas?”. “Vai ficar tão apaixonada acreditando que o seu namorado cavaleiro do céu voltará para buscá-la que irá enlouquecendo aos poucos. Um dia, mãe, infelizmente, quando ela já estiver completamente louca, mas quem ninguém perceba nada dessa loucura, ela vai sentir mais e mais saudades do seu namorado, vai entristecer achando que ele não volta mais e vai subir num lugar bem alto, o mais perto possível das estrelas, e lá de cima, quanto achar que pode correr pelo caminho estrelado, vai despencar e...”.
“E morrer, meu filho, ela vai morrer?”. E parecendo que voava o filho respondeu: “A não ser que o seu cavaleiro apareça. A senhora acredita que aparecem cavaleiros no céu para salvar as pessoas que se jogam do alto?”.
E a mãe não respondeu por que já chorava numa agonia sem fim. Mas ele continuou: “Ao menos essa vai aliviar na loucura o seu sofrimento. E as outras pessoas, muitas outras pessoas, mãe, que depois dessa tempestade já estão ou vão ficar em tempo de enlouquecer sem saber que rumo ter na vida?”.
Entre soluços a senhora perguntou: “Por falar nisso meu filho, já que você tem esse dom de ver tantas coisas distantes que acontecem ou que vão acontecer, será que não consegue sentir quando esse dilúvio todo irá passar?”.
Prontamente Zezeu respondeu: “O lado ruim da tempestade pode durar para sempre, mas o lado bom pode acabar logo. Digo lado ruim porque para muitos as perdas serão para sempre, mas tem um lado bom que está só esperando somente certas coisas do destino acontecerem. Esse lado bom está esperando, por exemplo, que a vida ou a morte defina logo qual o destino do seminarista e da professorinha. Daqui a pouco chegará o ponto máximo da doença dos dois, e se não conseguirem vencer a batalha é porque o destino atendeu o lado ruim da tempestade”.

                                                    continua...





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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