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segunda-feira, 27 de junho de 2011

TEMPESTADE - 49 (Conto)

TEMPESTADE – 49

                          Rangel Alves da Costa*


Para muitos, tais percepções e pressentimentos não possuem grande significado, não passando de meras recordações das pessoas visualizadas ou pensadas, mas para outras, como de fato ocorria com aquelas duas mulheres, já afetas a crendices e superstições, aqueles avisos tinham um fundamento incontestável.
Essa crença no explicável, aliás, fazia parte da cultura daquele povo com relação ao temor exagerado pelos sinais considerados divinos, pelas crendices nos fatos que permitiam uma interligação maior entre a vida e a morte, por tudo que dissesse respeito aos presságios, pressentimentos, intuições.
Ora, se acreditavam que orar para os mortos era uma forma de torná-los mais aceitos onde repousavam para a eternidade e ao mesmo tempo afastá-los do convívio familiar e amigável, evitando assim que viessem chamar as pessoas para acompanhá-las no além, com muito mais razão temiam receber os vivos em sombras ou vozes como se mortos estivessem. Segundo imaginavam, no mínimo tal aparição já era meio caminho andado para o funesto acontecimento.
Vestígios de morte eram o que diziam ser. Daí que no momento seguinte ao surgimento de tais aparições, de ouvir as vozes, começava a se travada uma verdadeira batalha para a vida, através de mais e mais preces, rezas e orações, promessas e até encantamentos, rituais e outros procedimentos, de modo que a morte perseguidora, já batendo às portas, fosse vencida. Ao menos por enquanto.
Mas aquelas duas, a mãe de Suniá e a avó de Tristão, mesmo profundas conhecedoras dessas possibilidades de enfrentamento da morte, preferiram, assim que ficaram mais calmas com as aparições e as vozes, simplesmente se apegar na força divina, que certamente não permitiria que nada de ruim acontecesse a duas pessoas tão jovens. Para ficar mais aliviadas, acabaram achando melhor fazer uma ligação entre o ocorrido e a instabilidade do momento, a escuridão que fazia e os barulhos provocados pela furiosa tempestade.
A mãe de Suniá nem quis comentar o ocorrido com outros familiares, de modo que não sabendo não aumentassem a corrente de medo e desconfiança. Ainda assim, procurando fingir que tudo estava tranqüilo e normal, não deixou de ser apegar aos santos, promessas e orações. E neste sentido foi até um cantinho onde havia um oratório de vela apagada e disse, num grito profundamente forte dentro de si mesma, as seguintes palavras:
“Senhor Deus, meu Senhor e de todos nós que habitamos nesta casa e somos desta família. Esta casa, moradia simples, mas rica em fé e devoção, tem na sua força e permissão para continuar existindo o alicerce e sustentáculo maior, do chão até o teto, entre portas e paredes, em cada uma das pessoas que nela habitam. É essa fé que traz alegria e vida para todos nós, mas há pouco tempo meu coração ficou temeroso e com vontade de chorar. Eis, meu Senhor, que um pressentimento ruim apareceu nessa escuridão e se fez visível diante do meu olhar e até ouvido com perfeição. A aparição queria significar que minha, nossa Suniá está correndo perigo, está passando por grandes dificuldades, está tendo a vida em perigo, e até, que Deus não permita, prostrada num leito de morte. Assim, Senhor, mesmo acreditando nesses anúncios inesperados que nos chegam, não quero crer que a força divina irá permitir que qualquer coisa de ruim aconteça com ela. Onde ela estiver que esteja salva e bem, onde ela estiver que esteja somente esperando essa tempestade passar para voltar pra casa. Mas se ela estiver realmente com algum problema, correndo algum risco, que me faça merecedora de outro aviso, mas sempre permitindo que ela esteja protegida sob o manto divino...”.
Nem bem terminou suas palavras e uma vela apagada caiu a seus pés. Pedi um aviso e essa vela caiu do nada, será que me veio o aviso? E se foi mesmo o aviso que pedi, então é verdade que a minha Suniá está correndo perigo? E as lágrimas começaram a brotar pelos cantos dos olhos, a face contrita e tomada de tristeza e agonia começava a se molhar sem saber mais o que fazer.
Na escolinha, na escuridão do cantinho de pé de parede onde a professorinha estava prostrada, ouviu-se um grito que nem precisava ser bradado assim, tão agudo e angustiado, vez que quase todos os meninos e meninas estavam ao lado ou bem próximos. Era Aninha: “A professorinha parece que vai explodir, o corpo tá pegando fogo e se tremendo todo. Corram lá fora pra ver se Teté conseguiu, se ele tá chegando com algum remédio...”.
“Calma Aninha, calma que a gente já vai dar uma olhadinha. Vamos Tonico, quem quiser me acompanhar venha logo”. Era Totinha, já levantando e correndo em direção à porta. Tonico veio logo atrás, ainda cheio de remorsos por achar que tinha sido o causador disso tudo.
Ao saírem na porta perceberam que tudo estava mais escuro e amedrontador, a chuva parecia mais forte e a ventania mais veloz e arrebatadora. Os trovões agora pareciam sair dali debaixo mesmo, das proximidades, com um barulho insuportável e arrepiante. Pelos trilhos iluminados que surgiam do céu, a única forma de se enxergar alguma coisa adiante, e assim mesmo muita próxima, perceberam que uma árvore havia caído bem diante do portão, pelo lado de dentro, o que impedia a passagem por ali. Aliás, impedia até de se enxergar o outro lado, saber se o maluquinho Teté já se aproximava.
“Você tá vendo o que eu tô vendo, Totinha?”, perguntou Tonico. E o desesperado amigo respondeu: “Tô. E o jeito que tem é chamar os outros meninos para ajudar a retirar essa árvore caída de frente o portão, impedindo tudo, de entrar e de ver quem tá lá fora, quem vem chegando...”.
“Mas será que vai dar tempo de fazer isso tudo e ainda salvar a professorinha Suniá?”. E falou Totinha, visivelmente desconsolado: “Salvar não sei, mas sei que vamos tentar. Se Deus quer que isso teja acontecendo é porque ele sabe o que tá fazendo...”.

                                                  continua...





Poeta e cronista
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