SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 14 de junho de 2011

AZUL MARROM (Crônica)

AZUL MARROM

                              Rangel Alves da Costa*


Não precisa ficar com essa cara de espanto só porque às vezes tudo pode estar branco laranja, preto lilás ou azul marrom. Nada mais normal do que as coisas serem do jeito que a gente as sinta ou veja em determinados momentos.
Ora, mas você bem poderia dizer que tudo não passa de loucura ou de uma impossibilidade que está deixando de ser reconhecida. Mas garanto que não há nenhum paradoxo nem invencionice destrambelhada, mas apenas um ponto de vista que se toma diante de determinada situação.
Lembra daquele conto de fadas “A Roupa Nova do Imperador”, de autoria do dinamarquês Hans Christian Andersen? Pois bem, então vale recordar:
“Um espertalhão se passava por renomado alfaiate e fez chegar aos ouvidos do rei que poderia fazer a roupa mais deslumbrante que um monarca já havia usado. Todo vaidoso, o rei então mandou ao falso alfaiate vários baús cheios de riquezas, rolos de linha de ouro, seda e outros materiais raros e exóticos, exigidos por ele para a confecção da magnífica veste real. Com o tesouro escondido, a quem chegava ao local para apreciar a feitura da roupa do rei, o alfaiate dizia estar tecendo com fios dourados invisíveis. E todos, para não serem chamados de estúpidos, diziam estar vendo um trabalho perfeito. O próprio rei, chegando ao local para experimentar sua roupa, mesmo vendo a mesa de trabalho totalmente vazia e para não deixar de impressionar os seus súditos disse "Que lindas vestes! Você fez um trabalho magnífico!". Os nobres, para não serem chamados de mentirosos, chegavam a soltar suspiros de admiração. No dia do desfile para apresentação da roupa nova, a farsa foi descoberta, mas o rei continuou fazendo crer que estava realmente usando a veste feita com fios invisíveis”.
Como observado, a estória mostra como o ser humano é capaz de usar da conveniência, ainda que totalmente revestida de estupidez, para afirmar ou confirmar aquilo que deseja. Nesse sentido, nada é absurdo se o absurdo possui um fundamento, é justificado por aquele que deseja que a absurdez seja uma realidade natural, algo normal.
Por isso mesmo se você cisma de tomar leite dizendo que é café, e tem o mesmo sabor, o aroma e a força energética deste, não há como dizer que está errado. Muitas vezes você jogou pedras na vidraça da vizinha com a convicção de que estava jogando bolinhas de papel; outras vezes você saiu debaixo da chuva, e sem camisa, porque estava sentindo o sol muito forte lá em cima, enchendo o seu corpo de calor. E haverá quem diga que você enlouqueceu?
Não pode ser loucura porque há um sentido bastante prático nisso tudo. E se eu quiser fingir que não sofro, que não vivo angustiado, que a solidão não me aflige, que essa saudade danada não chega arrebatadora em todo entardecer e, ao invés de ecoar lamúrias, procurar mostrar ao mundo que sou feliz, completo e realizado? Mesmo que esteja morrendo por dentro posso muito bem estar vivo e muito vivo por fora, sorridente feito os contentes e ainda por cima ensinando aos outros como viver em comunhão com a felicidade.
Se não houvesse essa propensão humana ao fingimento, a criar ilusões e nelas sustentar-se com a força dos titãs, certamente que a realidade expressada apenas como ela é tornaria a vida tão exasperadamente fria que nada valeria lutar pelas mudanças. A sisudez seria sempre sinal de distanciamento porque a pessoa não pode deixar de ser como se mostra; do mesmo modo, a alegria em demasia seria sempre ferrenha adversária da seriedade; os olhos entristecidos, a cabeça baixa e apoiada na mão seria sinônimo de inevitável e retumbante desgraça.
O que diria então do palhaço que deixou os filhos chorando famintos em casa e tem o dever de levar alegria para crianças e adultos que soltam aplausos e gargalhadas na platéia? Ao olhar no seu rosto pintado, no nariz com bolinha vermelha, na sua peruca desengonçada e na sua roupa colorida, ninguém diz que enxergou uma lágrima caindo. Eu vi.
Vi e fiquei em silêncio, pois o palhaço não pode ser visto chorando. Os outros pensam assim, mas eu vi. E não só chorava, pois da sua voz ouvi ainda ecoando os seus filhos pedindo pão.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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