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segunda-feira, 29 de agosto de 2011

CORAÇÃOZINHO AFLITO (Crônica)

CORAÇÃOZINHO AFLITO

                             Rangel Alves da Costa*


Tia moça velha, solteirona, um tanto desesperançada de cheiro e dengo, muitas vezes se torna um problema sério quando a sobrinha procura conselhos amorosos. A dita, coitada, sempre cheia de mágoas e revoltas porque chegou àquela idade sem cheiro de suor de homem a seu lado, dificilmente expressa as coisas boas que a mocinha tanto deseja ouvir.
Então a mocinha chegava saltitante e dizia que ele, o paquera da escola, havia sorrido, soprado um beijo nos lábios e piscado levemente um olho na sua direção.
Sempre se abanando por causa do calor que lhe era peculiar quando ouvia falar de homem, a solteirona dizia que aquele era o tipo de rapaz que não prestava, pois o verdadeiro enamorado não olha assim nem faz gestos obscenos, mas escreve lindos madrigais e manda-os entregar acompanhados de flores ainda orvalhadas.
E a mocinha chegava correndo, cansada, com o rosto completamente vermelho de satisfação e nervosismo, e procurava a tia estendida com olhares pecaminosos na janela e perguntava se era feio uma menina aceitar de presente uma maçã do amor enviada por um pretendente.
A solteirona se voltava para a sobrinha, ia logo abrindo o abanador florido, e respirando profundamente e caminhando de um lado a outro da sala, quase não respondeu, levando a mão aos olhos para colher uma lágrima. E com a boca trêmula disse que nunca aceitasse, sob hipótese alguma, maçã do amor oferecida por rapaz. Isto porque um dia ela aceitou uma, gostou, e foi como tivesse mordido a maçã do pecado e do abandono.
Outro dia a mocinha chegou em casa todo feliz e perguntou se ela gostava de poesias de amor, pois havia acabado de receber três folhas repletas de lindos versos, mas uma pena que abaixo não tinha o nome de quem escreveu especialmente para ela, mas apenas dizendo que tinham sido escritas por um jovem apaixonado.
Quando ouviu falar em poesias, e de amor, a coitada da solteirona entristeceu ainda mais, ficou ruborizada e abriu mais a janela por causa do calor repentinamente insuportável, que lhe subia pelas pernas e ia parar nas bochechas do rosto. Ao passar o olho na primeira folha disse logo que era uma afronta aos sentimentos de uma mulher um jovem enviar quadrinhas e trovas rimando amor com dor e sabor com dissabor. De jeito nenhum, não leria de jeito nenhum, e que ela somente o agradecesse quando soubesse escrever versos inspirados em Shakespeare ou, no mínimo, Vinícius e Florbela.
Mais uma vez ela chegou correndo, se tremendo toda, com os laços do cabelo desfeitos e a roupa disforme, correndo em direção à velha titia que suspirava e chorava olhando um álbum de fotografias que guardava escondido. E foi logo perguntado à boa mulher se ela deveria aceitar conversar com ele durante o recreio, embaixo da figueira do pátio, pois o jovem havia mandando implorar esse rápido encontro.
Jogando rapidamente o álbum por debaixo das coisas e enxugando rapidamente os olhos molhados, ela fingiu que cantava e depois pediu à sobrinha que repetisse a pergunta. Assim que ouviu foi logo dizendo que se esse rapazinho fosse pessoa com boas intenções não andava propondo encontros às escondidas, mas primeiro viria ali na sua casa, falar com seus pais, e perguntar se podia olhar amorosamente para sua filha.
A mocinha não suportou mais ouvir tantas imposições, tantos lengalengas, tantas objeções. Jogou o caderno e os livros em cima da mesa e disse que já estava cheia daquilo tudo, de querer ser boa e agradável, de respeitar a opinião da tia, e esta dizer que tudo que dissesse respeito a amor, a namoro, a encontro, a paquera, era feio, era pecado, era coisa do outro mundo, que nada era assim nem assado. E disse mais que até parecia que ela nunca tinha namorado.
Disse isso e voltou atrás no mesmo instante, pois lembrou que sua tia continuava solteira porque talvez houvesse sido sempre rejeitada pelos rapazes. Aproximou-se dela e deu-lhe um forte abraço, pedindo perdão se lhe havia magoado. Chorando de se acabar, a pobre mulher pegou a sobrinha pelo braço e a levou até a janela.
Passou um passarinho voando e ela disse à mocinha que quem deveria pedir perdão pelas palavras sempre duras era ela, pois igual aquela pequena ave que já seguia adiante, o seu tempo de sonhar talvez não passasse mais diante daquela janela. Mas ela não, que naquela idade era como a brisa do entardecer, cujo coraçãozinho aflito tinha razão de querer logo ser ventania.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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