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quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

DONZELA CHORANDO À JANELA (OU A NOVELA DO PRÍNCIPE QUE NÃO VEIO E DA PRINCESA QUE NÃO FOI) (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Num lugar muito distante - ou foi aqui mesmo na minha rua? – morava uma mocinha que de tão linda ninguém jamais conseguiu descrever com palavras tanta beleza. Quem mais se aproximou disse apenas que era uma flor.
Ousado que sou, e pelo que ouvi falar - ou será que vi? – traço fiel retrato da linda donzela à janela: bela jovem de formosura e perfeição, pintura primaveril que logo faz lembrar... Ora, de tão bela chega a iludir o olhar, a tornar tudo numa delirante fantasia.
Sim, a mais bela de todas; a linda donzela à janela. E assim será daqui em diante, mesmo que talvez eu nem tenha força suficiente para contar toda a história do que sucedeu com a formosa mocinha, cujos olhos alegres e cristalinos um dia se transformaram num córrego de sofrimentos.
Dizem que ao entardecer de um dia triste uma velha e misteriosa cigana passou diante da janela e ao avistar a donzela, seguiu mansamente a seu encontro. Com jeito sutil e ardiloso foi logo dizendo que via grandes segredos no espelho daquele tão meigo olhar. Bastava que ela lhe desse uma moeda e tudo seria revelado.
Ao sumir pela estrada a velha cigana deixou para trás uma mocinha totalmente ruborizada, tomada de encantamentos pelas palavras que ouviu. Segundo a cigana, não só o espelho do olhar como as linhas das macias mãos diziam do maravilhoso destino que logo encontraria. E, em troca de outra moeda, disse mais.
Tomada de sutilezas para repassar veracidade às mentiras, disse ainda que não demoraria muito para o mais lindo dos príncipes chegar diante da janela montado num majestoso cavalo branco. E que ela estivesse pronta para subir à garupa e rumar para o reino encantando onde o príncipe vivia. Ali, no Castelo dos Amores, seriam felizes para sempre.
E exigindo outra moeda, fez o arremate revelador, afirmando que ainda naquela noite ela sonharia com o seu lindo príncipe. Assim, já conhecendo sua belíssima feição, seu sorriso apaixonante e o porte imenso do cavalo, não teria mais dúvidas ao sair da janela, estender a mão e subir no animal quando o momento chegasse.
Ciganas existem que guardam consigo os conhecimentos ancestrais, tendo verdadeiramente o dom de ler algumas das tantas linhas do destino, mas aquela era uma verdadeira tapeadora. Deslavadamente mentiu e a mocinha donzela acreditou. Contudo, ativado o princípio da sugestão, tomando como verdade o que ouviu, a bela menina passou a ter certeza que realmente sonharia com o lindo príncipe ainda naquela noite.
E sonhou. E sonhou não porque a cigana sabia que isso aconteceria, mas simplesmente porque a trapaceira disse que aconteceria. A mentira, pois, tem esse cruel dom de se transformar em verdade na mente dos frágeis e inocentes. E já tendo deitado para o sonho, outra coisa não ocorreu senão o encontro com o lindo príncipe montado no seu branco e majestoso alazão
Acordou toda contente e certa de que as previsões realmente aconteceriam. Ao entardecer, toda enfeitada de renda, perfume e flor, se pôs à janela para ver se apareceriam alguns sinais da chegada do amor de sua vida. Mas nada, apenas uma tarde, um vento soprando, uma sombra da noite chegando. Com olhar mais triste, mais cedo deitou esperando sonhar.
E sonhou. Sonhou com o Castelo dos Amores sendo invadido, o seu príncipe em perigo, o cavalo esbaforido zanzando ali e acolá. Então ela pegou em armas para combater mouros, cristãos, cruzados, visigodos, ostrogodos, uma horda de bárbaros que surgia de todo lado. Não sabia se vencia, apenas que combatia, e acordou cansada de tanta batalha.
Com a certeza de ter salvado o reino da destruição e socorrido seu grande amor, se pôs à janela ao entardecer e ali esperá-lo chegar para agradecê-la num abraço. E não duvidava que o reconhecimento seria tanto que naquele mesmo dia subiria no animal e levada pelo seu príncipe para o lar dos amantes.
Mas o príncipe não veio nem ela sonhou nessa noite. Sonhou sim, mas não com ele, e sim com uma velha cigana passando zombeteira e dizendo achincalhes diante de sua janela. E naquela tarde se pôs no umbral apenas para chorar. E no entardecer do dia seguinte chorou mais ainda. E mais ainda no dia seguinte.
De tantas lágrimas caídas a terra embaixo da janela foi sendo molhada e logo brotando uma plantinha triste. Cresceu parecendo chorosa, angustiada e cheia de sofrimento. Cresceu tanto que tomou todo o espaço da janela, e quem passa por ali a conhece como a árvore da doida.
Melhor seria a árvore da princesa que não foi e do príncipe que não veio. Mas ao passar diante dela a velha cigana simplesmente a chama de árvore da mocinha enlouquecida.
 

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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