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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 8 de dezembro de 2012

QUANDO A DONZELA SONHOU GALOPANDO NUA NUM CAVALO ALAZÃO (E O BICHO FOGOSO QUE SÓ) (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Essa história quem me contou foi Tição Loroteiro, o maior contador de causos duvidosos de toda a região sertaneja, lugar onde orgulhosamente nasci para cumprir minha encantada sina de nordestino. Igualmente a doido, em todo lugar há de ter um loroteiro de marca maior. E o de lá era Tição.
Contudo, mesmo antes de o cabra me relatar esse causo, eu já tinha ouvido a mesma narrativa, só que com outras nuances e vertentes, da boca menos suspeita de outras pessoas. Na verdade, é um causo que remonta aos tempos de antigamente, mas que se renova pela própria essência daquilo que serve como pano de fundo: a inocente donzela que se vê no viramundo.
Pelo que pude conhecer, chamam de viramundo o que é totalmente impensado, aquilo que inesperadamente acontece e que, mesmo sendo dito com a maior seriedade do mundo, ainda é custoso acreditar. Pois o que aconteceu com a inocente donzela foi uma viramundice assim: sem jamais mostrar suas vergonhas a homem nenhum, de repente se viu pelada em cima de um alazão. E cavalo fogoso demais!
Já foi motivo de cordéis pendurados nos barbantes pelas feiras interioranas, de cantorias e pelejas de repentistas. Contudo, cada um acrescentando uma coisinha ou outra na trama. Tenho comigo um livreto intitulado “As peripécias da donzela no mundo do viramundo – ou o galope da inocente no cavalo requebrante”.
Mas a história que ouvi de Tição Loroteiro – e que segundo ele era a mais verdadeira de todas, sem mudar um tiquinho sequer - veio consignada com o título acima: “Quando a donzela sonhou galopando nua num cavalo alazão (e o bicho fogoso que só)”. Sem diminuir nem acrescentar - até mesmo porque gravei - repasso agora as palavras do homem:
“O nome dela era Lisbela a mais bela das donzelas que no sertão existiu. Noutro canto nunca se viu, perfeição de fio a pavio. Na boniteza não tinha igual, uma fruta de quintal, tão doce e apetitosa, do jardim a bela rosa.
Mocinha na flor da idade, de pura inocência e nenhuma maldade. Falando com sinceridade, nunca beijou numa boca, nada de fazer coisa louca, o véu da honra era sua touca. Mas quem avistava a menina dizia ser ela a sina, paixão que se desatina, que atropela e malina, fazendo coração apaixonado cair no chão despedaçado.
O que a donzela fazia era ficar na janela vendo a tarde passar. E também a imaginar que um príncipe encantado na nuvem seria avistado, para ir se aproximando, num cavalo galopando até chegar junto dela, e dizer venha bela donzela que sua estrada é aquela.
Todo dia era isso, na janela o rebuliço no pensamento da mocinha. Sentindo-se demais sozinha, sonhava em sair dali, no cavalo alazão subir e com o príncipe partir. E no palácio encantado, ele tão enamorado faria dela a princesa e seu maior reinado.
Iniciou com alegria, mas vai dia e vem dia, o que era fantasia foi se transformando em agonia. Queria porque queria que o príncipe decidisse, viesse logo e partisse levando consigo a meiguice, a mocinha na florice.
Começou a entristecer, vivendo a padecer, esperando o encantado. Olhava pra todo lado, o peito tão apertado, deu pra chorar um bocado. Só pensava no rapaz e já não vivia mais sem seu pensamento ir atrás.
Deitava e sonhava esquisito, ora ela sorridente, ora soltando um grito. Mas não era de espanto, mas muito mais de encanto, com o que começou a sonhar. Da nuvem descia o alazão, dizendo não chore não que sou sua salvação.
Mandou ela levantar, toda a roupa retirar, toda pelada ficar. E depois subir no pelo, pois ele com todo zelo ia fazer viagem, na nuvem pedir passagem até o castelo chegar. Lá esperava o moço, tomado de alvoroço e louco para beijar.
E a donzela acreditou. Quando o cavalo abaixou, ela subiu tão ligeiro que o mundo se espantou. Sabia que o alazão era falso, e que seguindo no encalço ela estava sem saída. Se moça virava perdida, se donzela transgredida.
Mas assim que ela subiu seu corpo logo sentiu uma coisa diferente. Por baixo estava tão quente, como algo que pressente não haver galope igual. E coisa de modo tal que ela sorria e cantava, se tremia e tresloucava, pedindo pra galopar.
Foi logo sumindo no ar, num distante cavalgar, que ninguém sabe onde foi dar. Mas um dia ela desceu de aliança na mão e beijando o alazão. Ainda estava pelada, mas ninguém disse mais nada. O mundo deu uma trégua, pois nela via uma égua”.
Foi assim que ouvi. E assim contei.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com   

Um comentário:

Priscilla Campos disse...

"A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto."

Adoreiii isso, bem interessante.
obrigada por estar seguindo meu cantinho, estarei aqui tbm.

Abraços!!!