Rangel Alves da
Costa*
De repente
toca a campainha e na porta estará uma belíssima cesta de natal: docinhos,
chocolates, geleias, panetones, brioches, além de vinhos, outras bebidas
importadas, flores e uma reluzente joia. E um cartão com os seguintes dizeres:
Que este presente reflita bem a pessoa que você é!
De outro
modo, simplesmente chegam à sua casa para uma visita e levam à mão um embrulho
requintado, cheio de enfeites e lacinhos, dizendo que é o presente de final de
ano, e ao abrir encontra as mais agradáveis e maravilhosas surpresas: a poesia
de Florbela Espanca, um CD antológico do MPB4, uma Bíblia Sagrada em dourada
brochura. Ou outras dádivas das lembranças. Mas eis que surge a indagação: será
este o seu melhor presente?
Creio não
seja demasiada intromissão perguntar se você realmente merece o presente
encontrado com tanto esforço e adquirido com tanto carinho; se suas ações,
gestos e atitudes condizem com o oferecimento de tão preciosa lembrança; se a
pessoa que tem mostrado ser verdadeiramente merece uma recordação tão
cativante.
Não sei
como você é, realmente nada sei sobre você. Engana-se quem diz conhecer o outro
como a palma da mão, principalmente porque, muitas vezes, nem a própria pessoa
se reconhece, sabe verdadeiramente quem é. E um presente a ser oferecido a
alguém assim só pode ser imaginado a partir de duas premissas: imaginar o que
poderia ser ou mentir a si mesmo, no intuito de agradar.
Realmente
não sei se uma pessoa egoísta mereça uma flor da manhã; por outro lado sei qual
presente daria àquela que nunca faltou amizade. Verdadeiramente não sei se vale
a pena agradar, agindo por pura bajulação, presenteando quem se esforça para
fugir da presença; e por outro lado sei quanto vale o esforço para agradar aquele
descrito no poema: Oh, quanto me agrada quem me reconhece na escuridão!
Contudo, quem
oferece o que bem deseja nada tem a ver com o merecimento, ou não, de quem
recebe. Presume-se, de toda sorte, que aquilo oferecido reflete a consideração
que a pessoa tem com relação ao presenteado. O que importa aqui, pois, não é
saber do seu mérito, mas simplesmente indagar se intimamente você se reconhece
como pessoa merecedora.
Pensar
assim envolve outros aspectos. Mesmo que você se ache com valor suficiente para
o que recebeu, e que pela pessoa que é poderia receber o mais valorizado
presente, ainda assim – ao menos neste momento – preferia ser lembrada com uma
lembrancinha mais simples, mais singela. Como um ramalhete faria bem ao seu
coração, como uma mera bijuteria faria bem ao espírito.
Pessoas de
bom coração, que pautam sua existência pela valorização de aspectos como
humildade, companheirismo, amor verdadeiro e reconhecimento do próximo,
geralmente são aquelas que renegam o luxo, joias reluzentes, modismos exacerbados.
A estas bastam, tantas vezes, o prazer da presença, o compartilhamento, um
abraço afetuoso, uma palavra amiga.
Diferentemente
de outras que se impõem valores – pois pessoas egoístas, orgulhosas, vaidosas,
verdadeiramente chatas -, aquelas de sublime coração veem sempre com outro
valor o presente recebido. E tal valor certamente está distante da importância
material, do quanto o outro gastou ou do que acham que realmente merecem.
Houve um
tempo em que as lágrimas chegavam aos olhos quando o carteiro entregava o
cartãozinho de natal. Não está muito distante quando alguém se enchia de
felicidade ao receber um calendário de bolso ou de parede, uma pequena agenda,
uma garrafa de sidra. Mas hoje ninguém corra o risco de entregar – somente – um
cartãozinho de natal. E então ressurge a sabedoria dos velhos brocardos: Ó
tempore, ó mores! Que tempos, que costumes nesse nosso corrompido tempo!
No sertão
de onde vim as singelas lembrancinhas sumiram de vez. Em Nossa Senhora do Poço
Redondo há muito que não se fala mais em toalha bordada à mão, em passadeira
produzida artesanalmente com renda de bilro, em bonecas de panos, em um punhado
dos frutos da terra. Atualmente, da infância à velhice outra coisa não
prevalece que não os modismos tecnológicos
Será que
os meus conterrâneos, nos dias atuais, gostariam de ser presenteados com um
chapéu de couro ou um cantil de matar a sede, ou ainda, quem sabe, um alforje
de caçador? Talvez quisessem também. Mas primeiro o celular recém-lançado ou a
televisão de plasma. Merecem ter tudo, porém desde que não afastem de si a
simplicidade, o encanto singelo da vida.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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